O texto de A Queda traduz o
sentimento de ansiedade, próprio do indivíduo que traz a angustia e a
necessidade de ser ouvido, devido à falta de atitude que levou
Jean-Baptiste Clamence, protagonista da história, a sentir culpa por não
ter dado a atenção a um fato que resultou na morte de uma mulher.
A
impossibilidade de retroceder no tempo e transformar a omissão em ação
fez do personagem um indivíduo ansioso, a ponto de levar o autor a
estruturar o texto em um monólogo, capaz de colocar o leitor na condição
do interlocutor desconhecido, inoperante e absorto.
Jean-Baptiste
Clamence, advogado parisiense que se denominou “juiz-penitente”, deixou o
glamour da cidade após uma vasta experiência hedonista, na qual a busca
do prazer e da satisfação pessoal chegou a extrapolar o sentimento
egocentrista. Instalou o seu escritório, em um botequim conhecido como
México-City, na cidade de Amsterdam e em companhia dos frequentadores
identificava clientes potenciais.
Quase sempre,
divulgava suas ideias às pessoas que conviviam no local, contudo, certo
dia, elegeu um cliente do botequim México-City como ouvinte da maioria
das suas angustias e inquietações.
O
monologo é composto de frases provocativas e audaciosas. Coloca o
protagonista no centro da história, expondo-o à avaliação de conceitos e
atitudes que evidenciam um estilo de personalidade com tendência
existencialista.
Diz o protagonista com sentimento egocentrista:
“Já reparou que só a morte desperta os nossos sentimentos? Como amamos os amigos que acabaram de deixar-nos, não acha?! Como admiramos os nossos mestres que já não falam mais, que estão com a boca cheia de terra! A homenagem vem, então, muito naturalmente, essa homenagem que talvez tivesse esperado de nós, durante a vida inteira. Mas sabe por que somos sempre mais justos e mais generosos para com os mortos? A razão é simples! Para com eles, já não há mais obrigações. Deixam-nos livres, podemos dispor do nosso tempo, encaixar a homenagem entre o coquetel e uma doce amante: em resumo, nas horas vagas. Se nos impusessem algo, seria a memória, e nós temos a memória curta. Não é o morto recente que nós amamos nos nossos amigos, o morto doloroso, a nossa emoção, enfim, nós mesmos!”
“Já reparou que só a morte desperta os nossos sentimentos? Como amamos os amigos que acabaram de deixar-nos, não acha?! Como admiramos os nossos mestres que já não falam mais, que estão com a boca cheia de terra! A homenagem vem, então, muito naturalmente, essa homenagem que talvez tivesse esperado de nós, durante a vida inteira. Mas sabe por que somos sempre mais justos e mais generosos para com os mortos? A razão é simples! Para com eles, já não há mais obrigações. Deixam-nos livres, podemos dispor do nosso tempo, encaixar a homenagem entre o coquetel e uma doce amante: em resumo, nas horas vagas. Se nos impusessem algo, seria a memória, e nós temos a memória curta. Não é o morto recente que nós amamos nos nossos amigos, o morto doloroso, a nossa emoção, enfim, nós mesmos!”
Cita a respeito da ausência de caráter:
“Quanto a mim, moro no bairro judeu, ou no que era assim chamado até o momento em que nossos irmãos hitlerianos abriram espaço. Que limpeza! Setenta e cinco mil judeus deportados ou assassinados – é a limpeza pelo vácuo. Admiro esta aplicação, esta paciência metódica! Quando não se tem caráter, é preciso mesmo valer-se de um método.”
“Quanto a mim, moro no bairro judeu, ou no que era assim chamado até o momento em que nossos irmãos hitlerianos abriram espaço. Que limpeza! Setenta e cinco mil judeus deportados ou assassinados – é a limpeza pelo vácuo. Admiro esta aplicação, esta paciência metódica! Quando não se tem caráter, é preciso mesmo valer-se de um método.”
O monólogo
traz, também, um desabafo, sofrido, de um homem que não consegue se
desvencilhar do sentimento de culpa e o remete a avaliações que o
incorpora no contexto de uma sociedade individualista e pouco
preocupada com uma conjuntura mais ampla. Vejamos:
“Devo reconhecer humildemente, meu caro compatriota, que fui sempre um poço de vaidade. Eu, eu, eu, eis o refrão de minha preciosa vida, e que se ouvia em tudo quanto eu dizia. Só conseguia falar vangloriando-me, sobretudo quando o fazia com esta ruidosa discrição, cujo segredo eu possuía. É bem verdade que eu sempre vivi livre e poderoso. Simplesmente, sentia-me liberado em relação a todos pela excelente razão de que me considerava sem igual. Sempre me achei mais inteligente do que todo mundo, como já lhe disse, mas também mais sensível e mais hábil, atirador de elite, incomparável ao volante e ótimo amante. Mesmo nos setores em que era fácil verificar minha inferioridade, como o tênis, por exemplo, em que eu era apenas um parceiro razoável, era-me difícil não acreditar que, se tivesse tempo para treinar, superaria os melhores. Só reconhecia em mim superioridades, o que explicava minha benevolência e serenidade. Quando me ocupava dos outros, era por pura condescendência, em plena liberdade, e todo o mérito revertia em meu favor: eu subia um degrau no amor que dedicava a mim mesmo.”
“Devo reconhecer humildemente, meu caro compatriota, que fui sempre um poço de vaidade. Eu, eu, eu, eis o refrão de minha preciosa vida, e que se ouvia em tudo quanto eu dizia. Só conseguia falar vangloriando-me, sobretudo quando o fazia com esta ruidosa discrição, cujo segredo eu possuía. É bem verdade que eu sempre vivi livre e poderoso. Simplesmente, sentia-me liberado em relação a todos pela excelente razão de que me considerava sem igual. Sempre me achei mais inteligente do que todo mundo, como já lhe disse, mas também mais sensível e mais hábil, atirador de elite, incomparável ao volante e ótimo amante. Mesmo nos setores em que era fácil verificar minha inferioridade, como o tênis, por exemplo, em que eu era apenas um parceiro razoável, era-me difícil não acreditar que, se tivesse tempo para treinar, superaria os melhores. Só reconhecia em mim superioridades, o que explicava minha benevolência e serenidade. Quando me ocupava dos outros, era por pura condescendência, em plena liberdade, e todo o mérito revertia em meu favor: eu subia um degrau no amor que dedicava a mim mesmo.”
O livro é um
ensinamento, grandioso, que só autores da estirpe de Albert Camus são
capazes de levar o leitor à reflexão do comportamento humano, muitos dos
quais, seus reflexos, são irreversíveis para si próprio e para a
humanidade.
Retirado de: Visão Literária
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