quarta-feira, 27 de junho de 2012

Curta: Traz Outro Amigo Também

Eu particularmente adoro assistir curtas-metragens. São, geralmente, diretos na forma de abordagem do assunto. Rápidos e suscintos, que chegam e arrebatam. Por vezes, um longa pode se "perder" no meio do caminho, seja por falha no roteiro, seja por uma questão de direção ou por qualquer outro motivo. Mesmo um bom longa pode ter seus momentos ruins em sua extensão. Mas isso não pode ocorrer em um bom curta.

A vida do curta-metragem é muito curta. Ele nasce e tem que fazer acontecer - e isso é bem difícil.

Por isso, dedico esse post aos curtas e, em especial, ao curta-metragem Traz Outro Amigo Também, que assisti há pouco no Canal Brasil, na sessão Curta na Tela, com direção de Frederico Cabral.

De sensibilidade ímpar, a pequena obra nos conta a história de um empresário que contrata um detetive para procurar seu amigo imaginário de infância - Cornélios, desaparecido há mais de 50 anos.

O detetive aceita a empreitada após receber uma boa quantia em dinheiro, mesmo sem acreditar na possibilidade de se investigar algo praticamente impossível - não sabia nem fingir que estava trabalhando nesse caso. Talvez fosse tarefa para um psiquiatra, mas foi por indicação deste, aliás, que o empresário resolveu procurar o detetive.

Trata-se de um grande exercício de imaginação e criatividade, que merece ser divulgado e visto. Por isso, segue abaixo o curta na íntegra.


terça-feira, 26 de junho de 2012

Panorama - Cinema Chileno Hoje

De 19 a 24 de junho foi realizado o cineclube Cinema Chileno Hoje, no Cine Olido, com o intuito de nos atualizar sobre a situação do que se produz, em termos cinematográficos, atualmente no Chile.

Musica campesinaNão consegui assistir a todos os filmes, infelizmente, e dos que assisti, apenas dois chamaram a minha atenção: Música Campesina e Velódromo, ambos sob direção de Alberto Fuguet e com o mesmo ator protagonista, Pablo Cerda.
O primeiro conta a história do músico Tazo Alejandro, que viaja para Nashville, nos Estado Unidos, junto com a namorada, de quem logo se separa. A partir disso, sua rotina se mistura entre arranjar lugares pra dormir e conhecer novas pessoas, mesmo sem saber falar muito bem inglês. 

É um filme que vale por alguns diálogos - como aquele em que Tazo e um norte-americano discutem sobre a filmografia de Clint Eastwood e mencionam o filme Nashville, de Robert Altman - e sobre como o Chile ainda pode ser um país desconhecido pra muita gente (tanto que, em determinado momento do filme, Tazo diz ser espanhol).

O segundo - Velódromo -, trata da história de Ariel Roth, próximo de completar 35 anos de idade, que é abandonado pela namorada e melhor amigo, em virtude de suas manias (uma delas, andar de bike pra lá e pra cá) e ritmo de vida. É um filme que empolga no começo, mas que se alonga demais. É bom ver filmes que retratam de certa forma o cotidiano de "pessoas normais" - assim como em Medianeiras. Mas Velódromo peca pelo excesso em tentar abobalhar muito Ariel em determinados momentos, ao passo que, em vez de nos identificarmos cada vez mais com o personagem - como acontece em Medianeiras (pelo menos no meu caso) -, acabamos nos afastando.

De qualquer forma, são filmes que eu aconselho buscarem de alguma forma (leia-se torrent), haja vista que é improvável, pra não dizer impossível, que tenham distribuição no Brasil.

Os outros que assisti, coincidentemente, voltados para a temática política, mais propriamente sobre a ditadura de Pinochet - Lucia, O Edifício dos Chilenos e Post Morten - não me agradaram tanto.



A Mulher do Lado (La Femme D'à Côte)

Em Grenoble, sudeste da França, a obra se inicia com uma mulher - gerente de um clube de tênis - que narra os trágicos acontecimentos que se sucederam quando um homem casado - Bernard (Gèrard Depardieu) - tem novos vizinhos e é surpreendido ao ver que a mulher do novo inquilino, Mathilde (Fanny Ardant), já esteve envolvida com ele, há oito anos atrás, em uma relação tumultuada e doentia.

Ambos se comportam como se estivessem se conhecendo naquele instante, deixando claro, entretanto, que Bernard não quer manter qualquer tipo de contato com Mathilde. Mas, em pouco tempo, o caso deles é reiniciado - primeiro, como um ajuste de contas, depois, como amantes. Durante uma festa ele perde o total controle da situação e o fato deles terem sido amantes no passado vem à tona, deixando toda a situação mais tensa.

Sentimos como é duro e impiedoso esse amor entre Bernard e Mathilde, haja visto que atravessa até mesmo a felicidade que Bernard tem com sua família até então - é casado com a jovem e bonita Arlette (Michèlle Baumgartner), com quem tem um filho, Thomas (Olivier Becquaert) -, a qual é sobreposta. Mathilde também não tinha uma vida infeliz e era casada agora com Philippe Bauchard (Henri Garcin). Ou seja, não se trata de pessoas que não amavam seus parceiros. Talvez o amor que nutriam por seus respectivos companheiros era o amor saudável, ideal para a manutenção de uma relação. Já o amor que nutriam um pelo outro era destrutivo e que nunca iria se firmar.

Mas não é no enredo que está a melhor qualidade do filme, e sim no modo como François Truffaut o desenvolve. A história é narrada pela presidente do clube de tênis da cidade (Véronique Silver). Ela mesma marcada por uma paixão do passado que lhe deixou marcas pra sempre. Esse é o ponto de partida para o diretor conduzir a trama de maneira arrebatadora.

Apesar da tensão que envolve as personagens, elas se comportam com leveza. Pelo menos socialmente. Na intimidade, deixam a atração aflorar. Fanny Ardant e Gèrard Depardieu, jovens, atraentes, bonitos e elegantes, esbanjam talento e sensualidade. A Mulher do Lado marcava o início de brilhante carreira cinematográfica para os dois.

Depois desse, François Truffaut fez apenas um filme: “De Repente, Num Domingo (Vivement Dimanche), haja vista sua morte prematura em 1984, vítima de um tumor cerebral.

domingo, 24 de junho de 2012

A Queda

O texto de A Queda traduz o sentimento de ansiedade, próprio do indivíduo que traz a angustia e a necessidade de ser ouvido, devido à falta de atitude que levou Jean-Baptiste Clamence, protagonista da história, a sentir culpa por não ter dado a atenção a um fato que resultou na morte de uma mulher.

A impossibilidade de retroceder no tempo e transformar a omissão em ação fez do personagem um indivíduo ansioso, a ponto de levar o autor a estruturar o texto em um monólogo, capaz de colocar o leitor na condição do interlocutor desconhecido, inoperante e absorto.

Jean-Baptiste Clamence, advogado parisiense que se denominou “juiz-penitente”, deixou o glamour da cidade após uma vasta experiência hedonista, na qual a busca do prazer e da satisfação pessoal chegou a extrapolar o sentimento egocentrista. Instalou o seu escritório, em um botequim conhecido como México-City, na cidade de Amsterdam e em companhia dos frequentadores identificava clientes potenciais.

Quase sempre, divulgava suas ideias às pessoas que conviviam no local, contudo, certo dia, elegeu um cliente do botequim México-City como ouvinte da maioria das suas angustias e inquietações.
O monologo é composto de frases provocativas e audaciosas. Coloca o protagonista no centro da história, expondo-o à avaliação de conceitos e atitudes que evidenciam um estilo de personalidade  com tendência existencialista.

Diz o protagonista com sentimento egocentrista:  

“Já reparou que só a morte desperta os nossos sentimentos? Como amamos os amigos que acabaram de deixar-nos, não acha?! Como admiramos os nossos mestres que já não falam mais, que estão com a boca cheia de terra! A homenagem vem, então, muito naturalmente, essa homenagem que talvez tivesse esperado de nós, durante a vida inteira. Mas sabe por que somos sempre mais justos e mais generosos para com os mortos? A razão é simples! Para com eles, já não há mais obrigações. Deixam-nos livres, podemos dispor do nosso tempo, encaixar a homenagem entre o coquetel e uma doce amante: em resumo, nas horas vagas. Se nos impusessem algo, seria a memória, e nós temos a memória curta. Não é o morto recente que nós amamos nos nossos amigos, o morto doloroso, a nossa emoção, enfim, nós mesmos!”

Cita a respeito da ausência de caráter:  

“Quanto a mim, moro no bairro judeu, ou no que era assim chamado até o momento em que nossos irmãos hitlerianos abriram espaço. Que limpeza! Setenta e cinco mil judeus deportados ou assassinados – é a limpeza pelo vácuo. Admiro esta aplicação, esta paciência metódica! Quando não se tem caráter, é preciso mesmo valer-se de um método.”

O monólogo traz, também, um desabafo, sofrido, de um homem que não consegue se desvencilhar do sentimento de culpa e o remete a avaliações que o incorpora no contexto  de uma sociedade individualista e pouco preocupada com uma conjuntura mais ampla. Vejamos:  

“Devo reconhecer humildemente, meu caro compatriota, que fui sempre um poço de vaidade. Eu, eu, eu, eis o refrão de minha preciosa vida, e que se ouvia em tudo quanto eu dizia. Só conseguia falar vangloriando-me, sobretudo quando o fazia com esta ruidosa discrição, cujo segredo eu possuía. É bem verdade que eu sempre vivi livre e poderoso. Simplesmente, sentia-me liberado em relação a todos pela excelente razão de que me considerava sem igual. Sempre me achei mais inteligente do que todo mundo, como já lhe disse, mas também mais sensível e mais hábil, atirador de elite, incomparável ao volante e ótimo amante. Mesmo nos setores em que era fácil verificar minha inferioridade, como o tênis, por exemplo, em que eu era apenas um parceiro razoável, era-me difícil não acreditar que, se tivesse tempo para treinar, superaria os melhores. Só reconhecia em mim superioridades, o que explicava minha benevolência e serenidade. Quando me ocupava dos outros, era por pura condescendência, em plena liberdade, e todo o mérito revertia em meu favor: eu subia um degrau no amor que dedicava a mim mesmo.”

O livro é um ensinamento, grandioso, que só autores da estirpe de Albert Camus são capazes de levar o leitor à reflexão do comportamento humano, muitos dos quais, seus reflexos, são irreversíveis para si próprio e para a humanidade.
Retirado de: Visão Literária

quarta-feira, 20 de junho de 2012

O Exótico Hotel Marigold

Um olhar para a velhice e seus impactos é vem tendo constantes enfoques na filmografia atual. Tanto que Amor, de Michael Haneke, que trata exatamente disso, foi o ganhador da Palma de Ouro em Cannes desse ano. 

E outro filme que trata disso é exatamente O Exótico Hotel Marigold, com direção de John Madden, mesmo diretor de Shakespeare Apaixonado.

No filme, os aposentados Muriel (Maggie Smith), Douglas (Bill Nighy), Evelyn (Judi Dench), Graham (Tom Wilkinson) e mais três pessoas decidem aproveitar a aposentadoria em um lugar diferente e o destino é a Índia. Encantados com o exotismo do local e com imagens do recém restaurado Hotel Marigold, o grupo, que se encontra primeiramente no aeroporto, para lá vão e são recebidos pelo jovem sonhador Sonny (Dev Patel), protagonista de Quem quer ser um milionário.

Todos têm histórias bem distintas e são contadas de forma muito rápida no início do filme, haja vista que o foco é justamente a chegada dos mesmos ao dito hotel. Muriel foi a governanta da casa de uma família durante muitos anos, mas quando a velhice começou a atrapalhar seus afazeres diários, teve que se aposentar e dar lugar a alguém mais jovem. Além disso, ela tem problemas no quadril e precisará ser operada, visto que mal consegue andar.

No hospital, logo no início do filme, ela manifesta seu racismo com pessoas negras, em especial, com um médico negro que a atenderia. Nesse sentido, talvez pudesse ficar reservado a Muriel algumas das melhores passagens do filme - em virtude da discussão do seu racismo, etc, mas essa expectativa não se cumpre. Ao mesmo tempo que manifesta seu racismo frente a um médico de origem indiana, ela não reluta muito em ir fazer uma cirurgia na Índia, onde o tempo de espera para tal procedimento seria imediato, enquanto que nos EUA ela ficaria na lista de espera.

Douglas e sua mulher vão para a Índia para comemorar os 40 anos de casados, embora não pareçam muito sintonizados um com o outro. Evelyn perdeu o marido há pouco tempo e busca realizar atividades pra preencher o tempo. Navegando pela internet, descobre o hotel Marigold, que promete tudo do bom e do melhor. Paralelo a isso, ela não se conforma com o atendimento das pessoas de suporte técnico e nem das de telemarketing e aqui vemos certa crítica à "robotização" desses serviços.

Graham viaja para a Índia em busca do reencontro de um grande amor, enquanto que Judith (Lucy Robinson) e Norman (Ronald Pickup) querem apenas aliviar a solidão e encontrar novos parceiros.

Como disse, a motivação dos personagens na escolha pela Índia é muito rápida e não muito eficiente, pois são nos deixa compreender bem suas razões em ir pra lá, especificamente, quando poderiam ir pra qualquer outro lugar.

Evelyn, por sua vez, interpretada pela majestosa Judi Dench, é alguém que tinha muitos problemas na utilização do computador, mas acaba criando um blog pra detalhar a viagem. Se ela tinha dificuldades com tarefas básicas na informática, como criaria um blog sozinha? Pequenos detalhes realmente contam.

O fato de ter se optado por não mostrar o voo, a situação deles dentro do avião, na minha concepção, foi equivocada. Pular esse momento nos fez perder um pouco da conexão com o filme em si. Já no hotel, os personagens são muito condescendentes com as suas condições (do hotel), quem em nada lembram o que se esperavam e o que fora comprado. Histórias paralelas se formam e a mais interessante é a de Graham, que guarda um segredo com relação ao amor que foi procurar na viagem. O fato de Evelyn ir trabalhar em uma empresa de telemarketing na Índia está mais para o clichê do "eu te ajudo pra você me ajudar".

O romance entre Sonny (em um papel muito caricato) com Madge (Celia Imrie) também não sai do lugar comum e é desnecessário no contexto da narrativa, que deveria ter mantido foco integral na vida dos visitantes do hotel, sem querer fazer esse pararelo com a história de pessoas mais jovens - talvez para contrastar as gerações.

O final é previsível, assim como todo o filme, salvo com algumas surpresas que acontecem no seu decorrer e com as aparições de personagens secundários - Judith e Norman. Não que seja um filme de todo ruim, pois há alguns momentos bons e engraçados. Porém, com o propósito de ser uma comédia, não traz nada de novo e, salvo raros momentos, não empolga.


Mr. Sganzerla - Os signos da luz

Orson Welles, Jimi Hendrix, Godard, Oswald de Andrade. O que eles têm em comum?

Todos são ícones na formação cinematográfica de Rogério Sganzerla, precursor do chamado Cinema Marginal, grande e rico movimento cultural que se instaurou no Brasil entre as décadas de 60 e 70.

Mr. Sganzerla - Os signos da luz, de Joel Pizzini, é um documentário livre sobre a vida e obra de Rogério Sganzerla, mostrando-nos seus pensamentos, sua filosofia e sensibilidade para a criação do Cinema Marginal e toda a sua admiração por Orson Welles, a quem definia como o melhor cineasta do mundo.

Em sua filmografia, Sganzerla tentou difundir todas as suas influências nas suas obras, sem se ater a um formalismo estético. Fazia um cinema libertário, sem a prisão da forma. A criação da Belair e sua parceria com Júlio Bressane também marcam presença na película.

Sganzerla teve como grande expoente a realização de O Bandido da Luz Vermelha, de  1968, um dos filmes mais vistos no Brasil na história.

O filme está em cartaz no Espaço Unibanco da Augusta, de graça! Portanto, não perca a oportunidade de conferir esse documentário e descobrir um pouco desse diretor tão marcante no cinema brasileiro e, consequentemente, de todo um movimento histórico do cinema nacional.


segunda-feira, 18 de junho de 2012

Pickpocket

Pickpocket é um dos grande filmes do mestre Robert Bresson, sempre muito elogiado pelos precurssores da Nouvelle Vague, que viam nele uma cinema distinto.

O filme, livremente inspirado na obra Crime e Castigo de Fiódor Dostoievski, se inicia na primeira tentativa de roubo frustrada de Michael (o ator amador Martin LaSalle), em um hipódromo. O protagonista é pego mas acaba se livrando devido à falta de evidências contra ele. A partir de então o que se nota é um desenvolvimento das artimanhas utilizadas pelo protagonista para abordar pessoas e afanar seus pertences pessoais com muita destreza, muitas vezes junto com cúmplices, alguns dos quais lhe ensinam vários dos truques apresentados ao longo da película, de forma a desenvolver suas habilidades, tal como treinar as mãos jogando fliperama ou rodando moedas com os dedos.

Concomitantemente, Michael recebe a notícia de que sua mãe está muito doente, à beira da morte e, ao visitá-la, conhece Jeanne (Marika Green), uma vizinha responsável pelos cuidados da sua progenitora. Forma-se aí uma relação afetuosa que posteriormente teria motivado a tentativa do protagonista de abandonar a compulsão por bater carteiras.

Os acontecimentos das vidas "profissional" e "pessoal" de Michael se entrelaçam. Michael vai para a Itália e posteriormente para a Inglaterra, fugindo da polícia e de seus sentimentos por Jeanne, abalados por um suposto envolvimento entre ela e Jacques, um grande amigo comum aos protagonistas. Acaba voltando dois anos depois para Paris, segundo suas próprias palavras, tão pobre quanto saiu, em virtude do seu vício por mulheres e por jogos.

Reencontra Jeanne, mãe de um menino de Jacques, porém, separada dele. É nessa altura que decide "endireitar-se", mas, ironicamente, acaba sendo preso devido a uma "recaída". O filme termina com uma espécie de redenção através do amor de Jeanne. Nota-se ainda que Michael tem um estranho, quase confessional relacionamento com o oficial de polícia que o persegue durante a história.

O estilo tão particular de Bresson, descrito à exaustão como “rigor formal”, se resume na verdade em planos secos e descritivos, acompanhados de uma direção que procura tirar dos atores toda e qualquer plasticidade cênica, numa total rejeição da teatralidade, resultando em práticas anti-expressionistas. 

Não se trata de uma representação real, longe disso Bresson dirige os atores (que ele chama de “modelos”) de forma a não deixar qualquer resquício dramático ou mimético, o resultado é uma pessoa passando uma determinada informação de forma seca e absolutamente sóbria. Quanto aos planos, são em geral descritivos, se é importante o ato do personagem abrir uma maçaneta a câmera irá mostrar um plano fechado da maçaneta sendo aberta, se é importante o ato do personagem tirar uma carteira do bolso a câmera irá focar a carteira sendo tirada do bolso e assim por diante. Além disso, a mudança de planos é feitas de forma que o novo plano se sobrepõe ao anterior, num efeito de esmaecer.

Nos extras do filme, Bresson, em entrevista concedida a dois críticos, se mostra uma pessoa muito humana ao responder que, de fato, era uma pessoa muito só, mas que não via vantagens nisso. Além disso, argumenta que o importante em Pickpocket é sentirmos a atmosfera do ladrão, a sua solidão e corrupção do ser humano. Bresson concebe aqui uma obra franca e direta.


domingo, 17 de junho de 2012

O Bom Canário

Assisti ontem a peça O Bom Canário no Teatro Eva Herz (em cartaz até o final de julho), a qual conta a história de Jack, um romancista promissor que tenta diariamente salvar a vida de sua esposa Annie, cuja carreira é prejudicada pela dependência química.

Ela não pode mais suportar o olhar dos outros e passa seus dias limpando a casa, reflexo de uma paranóia causada pelo uso constante de anfetaminas, que começou a utilizar na adolescência, visando a redução de peso. Seu estado mental é cada vez mais caótico e seu estado físico mira o esquelético, pois nunca come.

Jack, seu companheiro perdidamente apaixonado, vê o romance que escreveu, cuja história parece provocante e inspirada num passado doloroso, se tornar um sucesso repentino.

Uma peça que mergulha no mundo da arte, mais especificamente no mundo da escrita, onde a luxúria, a crítica, o amor, as palavras, as drogas e as mentiras são misturadas em uma pergunta: como sobreviver frente à superficialidade inerente ao mundo da arte e seus críticos. Enfim, o texto fala sobre padrões, loucura, individualidade e tudo que nos torna humanos e complexos.

O espetáculo percorre a fronteira do humor e da loucura e flerta com a realidade da vida, culminando num desfecho impactante, arrasador e, acima de tudo, surpreendente.

O texto, como dito, aborda muitos temas. Mas um deles me parece essencial: a preservação da individualidade, da singularidade de cada um, num mundo em que cada vez mais as pessoas se parecem, agem da mesma forma, valem-se das mesmas tecnologias para permanecerem "antenadas", etc. Hoje o mundo vai ficando cada vez mais padronizado, mais robótico, mais "câmbio automático" do que "manual".

Annie é, sem dúvida, uma mulher problemática - sua dependência das drogas a torna um tanto intempestiva, imprevisível em seus humores, em certa medida antisocial. Mas não deixa de ser amorosa e, sobretudo, absolutamente autêntica. Ou seja: não entra no jogo das conveniências e sempre diz exatamente o que pensa, pouco se importando com as conseqüências. E tal postura, totalmente avessa à hipocrisia, a converte numa espécie de bomba-relógio, que pode explodir a qualquer momento.

E as explosões se sucedem, tanto no âmbito familiar - Jack tenta desesperadamente convencer a mulher a abandonar o vício - quanto no profissional - numa festa na casa de um grande editor, disposto a adiantar vultosa soma para que Jack escreva um próximo romance, Annie não consegue se conter e trava um inapropriado embate com um renomado crítico, cujas opiniões despreza por completo.

Tal atitude, evidentemente, faz com que o evento termine de forma lamentável e o projeto editorial ameaça naufragar. No entanto, já perto do desfecho, a trama exibe uma inesperada revelação, que, obviamente, não posso aqui detalhar, pois isso privaria a platéia de uma surpresa totalmente imprevista.

Bem escrito, contendo ótimos personagens, diálogos fluentes e temas mais do que pertinentes, O Bom Canário recebeu excelente versão cênica. Na pele de Annie, Flávia Zillo exibe performance irretocável, conseguindo materializar na cena todas as muitas e diversificadas facetas de uma mulher atormentada pelo vício mas, ainda assim, amorosa e parceira incondicional de seu marido. Encarnando o abjeto e, ao mesmo tempo, engraçado Charlie, Érico Brás também exibe atuação irretocável.

Sobre o Autor

Zacharias Helm, 36 anos, escritor norte americano e diretor de cinema. Como dramaturgo, teve 2 peças produzidas: “Última Chance Para uma Dança Lenta” e O Bom Canário (Good Canary), este último sendo escrito quando Zach tinha apenas 22 anos de idade. Sua estreia mundial foi em Paris, no ano de 2007, sob direção de John Malkovich. O espetáculo recebeu 6 indicações Moliére, o maior numero de indicação do ano, e também ganhou da França o Crystal Globe Award. Helm é considerado um dos melhores roteiristas de Hollywood.

sábado, 16 de junho de 2012

Apenas uma Noite (Last Night)

A ruína de um casamento, traições, disfarces e antigas paixões que retornam são alguns dos temas abordados pela iraniana Massy Tadjedin, que estreia na direção de um longa americano com uma história própria no drama "romântico"  Apenas Uma Noite, má tradução do título em inglês (Last Night), como veremos.

Moradores de Nova York, a escritora Joanna (Keira Knightley) e o executivo Michael Reed (Sam Worthington) são casados há três anos, mas namoram desde os tempos de faculdade. No começo do filme, somos divididos, de forma intercalar, pela cena em que ambos estão voltando de taxi para casa, depois de terem ido a uma festa, cada em seu lado, presos em seus pensamentos e angústias, e o momento no qual se preparam pra ir à dita festa e como se comportam na mesma.

Na cena em que ambos estão ainda em casa, se arrumando para a festa, percebemos um certo descaso de Michael e algum distanciamento de Joanna. Ele até mesmo esquece o vinho dentro do taxi que os levava para a festa. Por qual motivo? Estaria ele pensando demais em como se portaria no encontro?

Bem, já na festa, Joanna conhece Laura (Eva Mendes), uma sensual colega de trabalho do marido, e imagina que há alguma coisa acontecendo entre os dois, até mesmo por flagra ambos conversando na varanda do prédio com certa intimidade. Como Michael e Laura farão uma viagem de trabalho no dia seguinte, e já haviam viajado antes juntos, a noite de sua véspera é de conflito, com Michael caindo na "armadilha" de Joanna, ao afirmar que, de fato, sentia atração por Laura. Com isso, Joanna acaba dormindo no sofá. No meio da madrugada, Michael vai até ela e propõe que ela volte para o quarto. Ela recusa. Então, ele a convida para comer algo na cozinha.

De manhã, a própria Joanna acha que está exagerando - talvez por tentar encontrar motivos para brigar, típico de um relacionamento em ruínas - e firma uma trégua com Michael. Depois que ele parte, ela vai tomar café na rua e, ao sair do café, dá de cara com um antigo e complicado amor do passado recente, o francês Alex (Guillaume Canet). Aqui, o encontro foi muito forçado e poderia ter sido mais sutil.

Ele a convence a ir em um jantar com ele no mesmo dia, sem muito esforço. O jantar marcado para essa noite, que leva Joanna a arrumar-se como nunca, desperta outras expectativas. Alex, por sua vez, não atravessou de volta o Atlântico à toa. Está disposto a confrontar Joanna sobre o que deu errado para eles. Mas seria apenas isso? Ele havia voltado por ela, por compromissos profissionais, porque seu relacionamento com uma pessoa em Paris não ia bem ou porque não conseguia ficar sozinho?

Além disso, os questionamento de Joanna naõ se limitam apenas ao casamento e ao seu amor por Alex, mas também às suas criações literárias, sobre as quais pairam dúvidas intermitentes.

O filme evolui sobre essas duas tentações em paralelo: a de Michael por Laura e a de Joanna por Alex, procurando criar expectativa sobre se vai ou não haver traição em qualquer dos casos. Entretanto, é difícil contemplar química sexual nos casais de "amantes". Michael não consegue demonstrar muitas emoções com Sam Worthington o interpretando, da mesma forma como Alex não consegue ser o francês sedutor. Mas, com certeza, não vemos química alguma entre Laura e Michael, o que deixa a relação deles aquém até mesmo do apelo sexual.

Entretanto, mesmo no papel mais ingrato dos quatro protagonistas, Eva Mendes consegue ser um pouco mais eficiente que os demais, ao tentar fugir do estereótipo de latina sensual que a toda hora tentam lhe atribuir.

Um bom momento está na participação de Griffin Dunne como uma espécie de conselheiro da dupla Joanna/Alex. Enquanto ele fica em cena, a cota de humor e inteligência sobe um bocado, muito embora, mais uma vez, falte sutileza no encontro entre os casais.

Em geral, não é um filme muito necessário, a não ser pela bela fotografia de Nova York, da boa edição de som e trilha sonora, que consegue nos situar na angústia dos personagens, muito embora os mesmos não consigam demonstrar tanto disso em cena, embora necessário fosse. A noite como personagem também é um ponto bem pensado, com praticamente todas as cenas sendo pouco iluminadas. O que sobra nesses quesitos técnicos, falta no frecor da interpretação dos personagens.

Por fim, as traduções de títulos para o português deveriam se ater literalmente aos títulos originais ou mantê-los (caso de Drive e Shame, recentemente). Apenas uma noite é bem diferente de A noite passada (tradução literal de Last Night), que traduz melhor os anseios da história.

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Sobrevivente

O Sobrevivente (Editora Nova Alexandria, 2003) foi incumbido a ser o sucessor da bem recebida adaptação de O Clube da Luta, escrito pelo americano Chuck Palahniuk. O autor é o nome mais lembrado — até mais que o diretor David Fincher — quando se comenta do longa-metragem estrelado por Brad Pitt e Edward Norton. O filme deu entrada ao escritor, que até aquele momento era só um cara mal compreendido, um marginal moderno da literatura americana, ao grande público. Marcado por uma linguagem controversa, Palahniuk passou a escrever muito e sem demora, repetindo sempre a fórmula de linguagem que o dera tanta visibilidade.

O homem da vez é Tender Branson, um dos poucos sobreviventes da Igreja do Credo — um misto de igreja que possui costumes puritanos e tendências suicidas com sociedade fechada — e não entende muito qual a sua função fora dos parâmetros estabelecidos pela sua religião. Não que a sociedade fora da Igreja também não imponha regras, mas a suposta liberdade de escolha que se diz haver, incomoda esse homem. Branson é um empregado esforçado numa mansão que nem ele mesmo conhece os donos, é maníaco por organização e sabe todos os truques para manter a ¨ordem¨. Mas toda essa falsa perfeição esconde lados sombrios dele como, por exemplo, sua identidade noturna de conselheiro para suicidas via telefone. No dia em que Tender resolve mudar as regras, sua vida simplesmente dá uma reviravolta rumo à situações pouco prováveis, mas realistas.

Como todo bom personagem anti-herói que se preze, Branson vive os momentos distintos de subida ao climax, indo até a máxima de poder — que ele acredita ter — e simplesmente decai, pois a queda é inevitável e ele sabe muito bem disso. Chuck Palahniuk usa um recurso muito interessante para mostrar a contagem regressiva da queda do último sobrevivente: o livro tem exatos 50 capítulos, ao chegar no 25 a contagem é regressiva, a cada capítulo o leitor sabe que o fim está próximo, há um desespero apático na voz de Branson.

A linguagem usada em O Sobrevivente é a mesma que já marcou a carreira do escritor americano, dominada por um fluxo de consciência completamente transgressor ela não poupa palavrões e nem elementos totalmente marginais que deixam o texto extremamente fragmentado, mas de fácil compreensão pelo leitor. Afinal isso se assemelha muito com o fluxo de falas cotidianas, claro, com um tom bem mais esquizofrênico.

As críticas permanecem muito parecidas com as abordadas em O Clube da Luta, a apatia do homem moderno e a fácil ilusão que o consumismo traz se fazem presentes nos personagens que o único fim passível é a queda. Chuck Palahniuk acerta todos em O Sobrevivente, deixando claro que todos somos moldados para seguir um padrão e quando há quebra disso, ocorre uma inevitável mudança –muitas vezes fatal — de percurso. Um livro de tirar o fôlego e acertar em todas as feridas.

Fonte: http://www.interrogacao.org/2011/04/livro-o-sobrevivente-chuck-palahniuk/
Escrito por Emanuela Siqueira

P.S. 1: Acabei de ler esse livro ontem e gostei bastante do tom crítico usado a assuntos relacionados a religião, burguesia, sociedade e o consumismo em todas as suas formas. A linguagem é fluída e dificilmente atravanca a leitura. Além disso, ponto positivo para a originalidade de se numerar as páginas do fim para o começo, como se estivéssemos em contagem regressiva, como bem aponta o texto da Emanuela Siqueira.

P.S. 2: O livro foi publicado novamente pela Editora LeYa em 2012, com traduação da Tatiana Leão.

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Revista Cult » Sokurov claustrofóbico

Revista Cult » Sokurov claustrofóbico

O culto às marcas - Por Márcia Tiburi (Revista Cult - 06/2012)

O culto às marcas

Colunista Marcia Tiburi fala sobre a morte da expressão em tempos de fascínio religioso pelas grifes

A hipervalorização de bens ditos “de marca” é uma característica das sociedades contemporâneas.  Delas advém a distinção como forma de poder que fascina tanto ricos quanto pobres no cenário da dessubjetivação partilhada por todos, da loja de luxo ao camelódromo das falsificações.

A questão da distinção guarda em seu fundo um aspecto mais tenebroso, concernente ao presente da condição subjetiva da vida dos usuários devorados pelas antipolíticas autodestrutivas do consumismo transformado em regra.

Zerada a intersubjetividade que se definia na interação afetiva e comunicativa entre pessoas, o que resta são as coisas – e as pessoas como coisas – que podem ser compradas. Diga-se de passagem que as pessoas não compram coisas, mas sinais que informam sobre um capital simbólico. Coisificação da consciência é o nome velho para o fenômeno em que a concretude das coisas é substituída pela abstração da insígnia.

A fascinação de tantas pessoas por roupas, carros e até eletrodomésticos ditos “de marca” em nossa época é a declaração auto-exposta da morte do sujeito. Espantalhos de uma ordem que previu o assassinato do desejo, do pensamento e da liberdade – conjunto do que aqui chamamos de subjetividade – são incapazes de compreender seu descarado simulacro.

A morte por assassinato da subjetividade é percebida na redução do indivíduo a uma espécie de morto-vivo em três tempos. 1 – A destituição do direito ao próprio desejo: a publicidade colonizou a capacidade de sentir e projetar a autobiografia de cada um que é apagada na encenação da “vida fashion”. 2 – A desaparição da possibilidade de pensar: a publicidade oferece os jargões e slogans a serem repetidos sob a ilusão de ideias próprias. 3 – O direito à ideia-prática da liberdade é extirpado: resta o simulacro da escolha entre uma marca e outra. A ação torna-se acomodação ao mesmo de sempre.

A escolha entre o nada e a coisa nenhuma é bem disfarçada no poder de ostentar que promete redimir do buraco subjetivo. Não tendo mais o que expressar, alguém simplesmente “ostenta” um relógio caro, um computador moderninho, um carrão oneroso. Ou um piercing, um músculo forte. Tudo e cada coisa é reduzida à marca, emblema do capital e seu poder na era do Espetáculo.

Cultura da falsa expressão 

Podemos dizer que a ostentação é a cultura da pseudo-expressão no tempo das marcas. Se o poder de ostentar é proporcional ao esvaziamento da expressão, resta perguntar o que foi feito dessa potência humana? Ora, a expressão é fator subjetivo que se cria em um contexto social e político em que está em jogo a capacidade de “dizer alguma coisa”, de “dizer o que se pensa”, o que se “deseja”.

Só que fomos privados da expressão com a derrocada da formação de sujeitos desejantes, reflexivos e livres. Se as pessoas não dizem o que pensam, é porque a capacidade de pensar e dizer lhes foi extirpada. No lugar, podem travestir-se com a insígnia do poder fundamentalista das marcas da religião capitalista. A cruz para Cristianismo, a Estrela de Davi para o Judaísmo, a Lua Crescente para o Islamismo e uma marca famosa para o servo fiel do capital.

Os jovens são as principais vítimas dessa violência. Que sejam o “público alvo” quer dizer que são a presa fácil para um tiro certeiro. Os rebanhos de zumbis nikezados, abercrombizados, macdonaldizados, são arregimentados no exército de otários das massas manobradas, paramentados para o grande sacrifício sem ritual do capitalismo, em que a subjetividade é diariamente morta a pauladas.

A saída é a arte, a poesia, a negação ativa contra o uso e o consumo de marcas. A prática anti-capitalista é um ateísmo e começa com a recusa aos seus deuses como simples profanação cotidiana.

Amém

Sou grande admirador da arte de filmar e dos temas abordados por Costa-Gravas, mas há anos fui bastante relutante em assistir a Amém, filme no qual ele aborda o posicionamento da Igreja Católica no holocausto ocorrido durante a Segunda Guerra Mundial, bem como seu relacionamento com o Nazismo.

Tendo assistido ontem, percebi que minha relutância não tinha fundamento.

Trata-se de um filme excepcional, tanto sob o ponto de vista estético, como pelo contexto histórico ao qual somos alçados para entender a discussão que é suscitada por Costa-Gravas, que é um dos grandes mestres no que se refere a filmes de abordagem política (vide Z, que denúncia abusos na ditadura militar na Grécia, e Desaparecidos, Um Grande Mistério, que aborda a ditadura de Pinochet no Chile).

Propriamente sobre o filme, o agente nazista Kurt Gerstein, especializado em higienização, é enviado a Auschwitz, na Polônia, para acompanhar o tratamento dado aos judeus deportados. Aterrorizado com o massacre que até então desconhecia, retorna a Berlin certo de que deve denunciar a ação do governo de Hitler. Não lhe dão ouvidos, porém, os pastores da Igreja protestante da qual faz parte, e vira-lhe as costas a Igreja católica, cuja ação do Papa seria essencial para um recuo da política nazista. Sob pressão pelo cargo que ocupa (e pelas aparências que precisa manter), e recusando-se a deixar a Alemanha, Gerstein será ajudado pelo jovem padre jesuíta Riccardo Fontana, cuja proximidade ao Papa Pio XII poderia fazer chegar ao mundo as informações da matança em escala industrial de seres humanos na Alemanha. Assim, enquanto aguarda a ação de Fontana, e do embaixador da Suíça junto ao governo americano, Gerstein arrisca a própria vida retardando a fabricação do gás Zylon, utilizado nas câmaras, e sendo cada vez mais pressionado a aumentar a "produtividade" nos campos. A figura opressora no filme é caracterizada pelo personagem do Médico, que sarcasticamente sorri para aqueles que mal sabem que irão para a câmara de gás.

Vale dizer que antes da matança desenfreada aos judeus, as câmaras eram "testadas" em deficientes mentais, sendo que a sobrinha de Gerstein morreu desse forma. A desorganização do governo nazista na ora de explicar a causa da morte dos milhares de deficientes foi um grande estopim para que iniciasse uma "investigação" por parte de Gerstein sobre o ocorrido.

Amém recebeu críticas tanto da instituição chefiada pelo Papa quanto da imprensa. Falou-se que o filme tratava de assunto batido, sem trazer elemento novo ao debate. Reclamou-se de estilo "conservador", narrativa tradicional e falta de contundência, comparando este a outros filmes do diretor. Por outro lado, defendeu-se que Amém estaria na verdade falando do presente utilizando o passado, sendo seu verdadeiro alvo a omissão da comunidade mundial diante da miséria que a globalização financia.
No pôster de Amém (criado por Oliviero Toscani, o publicitário polemizador da campanha da Bennetton), fundem-se cruz e suástica, imagem forte que representa essa relação Igreja x Nazismo abordada no filme.

Se havia uma justificativa para tamanha omissão da Igreja, essa seria caracterizada como o temor, mostrado no filme, do Vaticano no caso de um pronunciamento direto contra a Alemanha. A resposta, uma imediata invasão de Roma, representaria não só o fim de uma ajuda aos perseguidos judeus, como colocaria os próprios católicos na lista de perseguidos.

Em entrevistas, Costa-Gavras lembrou que não havia então sindicatos, nem imprensa organizada; sobrava à Igreja a obrigação de informar o mundo e posicionar-se frente ao genocídio (mais de 4.000 pessoas enviadas por dia às câmaras de gás). Há quem diga tratar-se de conflito mais ético do que político. Mas Eugenio Pacelli, o Pio XII, estava longe de ser o ingênuo que o filme apresenta (que mais se preocupava com a destruição de uma Biblioteca do que com o massacre que ocorria, em determinada cena). 

Em artigo, o historiador Francisco Carlos Teixeira lembra que, antes do papado, sua atuação como núncio em Berlim permitiu a Pacelli relacionar-se com a alta hierarquia militar alemã. Não lhe eram desconhecidas as posições e ações nazistas. Era inclusive dado como certo que, eliminados os judeus, Hitler não tardaria em avançar sobre os cristãos.
Violência e terror, presentes em cada cena, jamais chegam diretamente ao espectador, mas pelos olhares de Gerstein, da movimentação de seus músculos faciais (que "sempre o traem"). Muito bem interpretado por Ulrich Tukur, o personagem é o herói típico dos filmes de temática social, que se recusa a fechar os olhos e luta praticamente sozinho contra a injustiça de seus pares. Podemos até mesmo interpretar que o padre e o médico são as facetas "boa" e "má" de Gerstein, haja vista ser ele o único personagem que, de fato, existiu.

O filme mostra também a maneira como o governo alemão manipulava a opinião pública, principalmente as crianças, que adoravam a saudação nazista. Em canções infantis ou livros didáticos, o que se vê é o convencimento através da sugestão de uma ideologia.

Todo o conjunto de detalhes de Amém fazem desse filme praticamente obrigatório pra quem se interessa pelo assunto, pois é também um ponto de partida para pesquisa mais aprofundada sobre o tema.


domingo, 10 de junho de 2012

O Vendedor

Morte e sangue. Assim o filme começa, quando vemos um animal sendo recolhido de uma rodovia, já morto. Sangue para todo lado. Logo após, uma pessoa pega uma peça e a coloca juntamente ao carro destruído.

Essa cena inicial, cortada para um momento na vida rotineira de  Marcel Léves (Gilbert Sicotte), homem com 67 anos que trabalha como vendedor de carro na congelante cidade de Lac Saint-Jean, em Quebéc, já nos deixa com a angústia, que se prolongará até meados do filme, até descobrirmos quem dirigia o carro que sofreu o acidente e o que, de fato, aconteceu.

Até termos essas respostas, seguimos os passos de Marcel, desde o seu trabalho, onde é um profissional bem sucedido, sendo considerado seguidamente o melhor vendedor da loja, até os momentos em que passa com sua filha Maryse (Nathalie Cavezzali) e seu pequeno neto Antoine (Jeremy Tessier). Marcel nasceu para o que faz e se realiza com isso. Poderia ter se aposentado, mas não o fez. Sem sua mulher, o que faria de seus dias como aposentado, ele questiona em determinado momento.

Além de sua vida, nos é mostrado certo reflexo da crise financeira mundial (ou, ao menos, um paralelo), com a falência de uma grande empresa local que deixa muitos trabalhadores desempregados e afeta, consequentemente, a vendas de carros e outros pontos da economia local. Manifestações são feitas e, por muitas vezes, o filme possui cortes pra nos informar a quantidade de dias que perdura o desemprego dessas pessoas.

Um ponto que podemos considerar importante para a trama é quando determinado personagem, ao levar seu carro para a manutenção, na loja na qual Marcel trabalha, é abordado por este pra que venda seu carro antigo e adquira um novo. Mesmo desempregado, Marcel o aconselha a seguir com essa proposta. Primeiramente hesitante, o personagem acaba aceitando.

Aqui identificamos críticas a determinadas atitudes que são habitualmente tomadas: Marcel não se importa tanto com o fato do personagem estar desempregado. Quer vender um novo carro para se manter como o melhor funcionário - talvez um medo, comum aos idosos, de se tornarem menos produtivos ou inúteis. O personagem, de forma irracional, aceita uma nova dívida, mesmo estando desempregado, numa clara falta de planejamento financeiro. Além disso, como a instituição financiadora poderia conceder crédito para a aquisição de um carro para alguém que não possui emprego?

Sempre presente, o frio da cidade acaba de tornando um personagem contínuo que depois acaba se infiltrando em Marcel, quando a tragédia chega.

O Vendedor é um filme que, infelizmente, poucas pessoas assistirão, até mesmo por sua pouca divulgação e distribuição. Possui alguns pontos que considero um pouco maçantes, principalmente na metade do filme, onde a rotina de Marcel se apodera do filme e entedia um pouco. Mas é um filme que traz algumas discussões e críticas, além de ser filmado com cuidado por Sébastian Pilote.

No final, crianças brincam de bicicleta e passam por cima de placas que eram usadas pela manifestação dos desempregados, o que poderíamos considerar como uma constatação de que a nova geração já nasce fadada às consequências da crise atual e do nosso desleixo com a economia, meio ambiente, etc.

Em cartaz no CineSESC.
 

Deus da carnificina

A ruptura do racional, quando perdemos nossos roupantes do politicamente correto e tudo que nos fora ensinado sobre respeito e educação, quando viramos animais selvagens e partimos para o canibalismo e para a carnificina, ao menos verbal.

Em síntese, é sobre esse momento de ruptura que trata o novo filme de Roman Polanski, Deus da Carnificina, que estreou em São Paulo na última quinta-feira, após longa espera, haja vista que, especificamente, em Paris, assisti a esse filme em dezembro do ano passado.

Haja vista ser adaptado da peça teatral de Yasmina Reza, conseguimos visualizar na película a grande influência do teatro na montagem do filme, que fica centralizado praticamente em poucos cenários: o parque onde há o estopim do problema, quando o filho dos personagens interpretados por Kate Winslet e Christoph Waltz bate com um bastão na cabeça do filho dos personagens interpretados por John. C. Reilly e Jodie Foster, a sala, cozinha e banheiro do apartamento de Michael (John) e Penélope (Jodie), bem como o corredor do mesmo.

A partir do momento da briga, ocasionada pelo fato de um não poder fazer parte da "gangue" do outro, partimos para o encontro, já na casa dos pais do filho agredido - Michael e Penélope. Penélope (Jodie) -, onde os mesmos estão escrevendo (formalizando)  sobre o ocorrido, sob os olhares de Nancy (Kate) e Alan (Christoph). Surge aqui já uma discórdia com relação a determinado termo usado pra descrever de que forma o agressor portava a "arma".

Entretanto, todos ainda se comportam de maneira respeitosa e educada. Tudo teria ocorrido harmonicamente se Nancy e Alan tivessem deixado o apartamento logo em seguida, mas é justamente no momento do retorno para um café que a "carnificina" tem início. Começamos a ver Alan - claramente inspirado no advogado empresarial moderno - sempre preso ao seu Blackberry, começando a deixar todos loucos, quando o aparelho toca seguidamente para resolver questões ligadas a um estudo que fora feito contra o uso de determinado produto de um cliente do ramo farmacêutico (aqui encontramos uma crítica a esse ramo, claramente mais voltado para o lucro do que com o bem-estar de seus consumidores).

O uso contínuo do Blackberry gera cena muito engraçadas, na medida que vai começando a atormentar os outros personagens, principalmente a sua mulher, Nancy, que não se sente bem, vomita, e, a partir disso, começa a se tornar outra pessoa. Quando Michael decide beber uísque, acompanhado posteriormente pelos outros personagens, conseguimos ver quem eles realmente são quando o álcool os ajudam a externalizar suas verdadeiras opiniões. Falam o que querem falar, sem se preocupar em como serão compreendidos. A ternura dá lugar à grosseria. Vira um UFC verbal.

Durante o filme, podemos dizer que  vários "times" são formados. A cada momento um personagem está concordando com um e discordando de outros. Nos momentos seguintes os cenários vão se invertendo, o que é muito interessante. Até mesmo Penélope perde sua razão e entrega-se à selvageria, não importando mais se ela flagra Alan apenas de cueca. Todos eles já estão bastante íntimos no ápice da raiva.

O filme é curto, por isso todas as passagens dos estados emocionais dos personagens são muito rápidas. Isso poderia ser mais sútil. A forma adotada é muito funcional no teatro, mas no cinema talvez fosse necessária uma maior sutileza no desenvolvimento dos personagens, assim como foi feito em Anjo Exterminador do Buñuel e Quem tem medo de Virgínia Woolf de Mike Nichols.

Mas não por isso o filme deixa de ser bem interessante, pela maneira como nos diz, até que bem diretamente, que somos meros atores em nossas vidas reais, em muitas vezes, em prol do relacionamento social ao menos suportável - ou você nunca teve vontade de falar boas verdades para um chefe qualquer?

É certo, entretanto, que até mesmo crianças conseguem resolver determinados assuntos com mais facilidade do que adultos.


quinta-feira, 7 de junho de 2012

Essential Killing

Um homem, talvez afegão, interpretado por Vincent Gallo é apanhado pelo exército americano em um  deserto não especificado, talvez Afeganistão, após ter assassinado 3 soldados americanos sem misericórdia, e é levado como prisioneiro de guerra para um país da Europa oriental (daqueles que fecham os olhos aos direitos humanos). Ele sofre tortura, mas nada fala e assim prossegue durante todo o filme.
 
Devido a um acaso consegue fugir e o filme é isso: a fuga de um homem por uma paisagem cheia de neve, impiedosa, inóspita, quase desabitada. Além do frio e do exército que o persegue, o fugitivo tem que lutar contra a fome e contra quem se lhe atravessa, não hesitando em ir deixando um rastro de sangue pelo caminho, matando de forma essencial - daí o nome do filme.

Vale destacar uma imagem de Gallo buscando o leite de uma mãe, a qual é polêmica e filmada com coragem. E mesmo quando, quase já morto, é encontrado por uma pessoa, esta é muda, intensificando ainda mais o silêncio.

Não obstante a premissa politica, ‘Essential Killing’ é muito mais um filme de ‘ambiente’, até de suspense , do que de argumento. E muito menos de ‘diálogos’: Gallo não tem uma única fala durante todo o filme, o que não impediu que trouxesse o prémio para o melhor ator do Festival de Veneza do ano passado. E Skolimowski trouxe o prémio especial do júri (presidido por Tarantino) para este filme minimal, mas impressivo e visualmente marcante.
 
Um grande filme que estreou em São Paulo somente no Cine Olido e já não está mais em cartaz. Uma boa alternativa é buscar via torrent.
 

domingo, 3 de junho de 2012

Hasta la Vista

Hasta La VistaExistem determinados temas que são difíceis de tratar. Três amigos que querem perder a virgindade é um tema já bastante explorado pelo cinema americano, mas se esses três amigos são deficientes físicos, aí tudo fica mais complicado, até mesmo por conta da idiotice do politicamente correto que nos é implantado quando nascemos.

É disso que trata Hasta la Vista, dirigido por Geoffrey Enthoven e com roteiro assinado por Pierre De Clercq.

Lars (Gilles De Schrijver) sofre de câncer terminal e está preso a uma cadeira de rodas, Philip (Robrecht Vanden Thoren) é tetraplégico e Josef (Tom Audenaert) está praticamente cego (vê pouco do mundo com a combinação de óculos e uma lupa, e mesmo assim com extrema dificuldade). Suas limitações, no entanto, não os impedem de empreender uma viagem quando descobrem a existência, na Espanha, de um bordel especializado em "pessoas como nós", como define Philip.

Não querem morrer virgens. Naturalmente não podem contar com a colaboração de pais e médicos para tal projeto. Têm de se virar sozinhos. Ou praticamente sozinhos.

O filme é um sucesso justamente em não tratar os personagens como coitados ou pessoas inferiores. São pessoas que apenas têm limitações físicas, mas que não as impedem de tirar sarro um do outro por conta disso. Todos temos nossas limitações, no final das contas.

Se somos solidários com eles na empreitada que resolvem enfrentar, também podemos criticar quando, vestidos com os roupantes de suas deficiências, resolvem gozar de outras pessoas. Mas logo são reprimidos e descobrem que todos os seus atos têm consequências.

O filme conta com o ingrediente de outras pessoas, que tornam a história ainda mais cativante. A irmã de Lars, que não quer saber se ele é doente ou não, em um primeiro momento, mas apenas quer que ele enxugue os pratos, e de Claude, a motorista que conduz os protagonistas à sua jornada. Ambas, no decorrer do filme, se mostram pessoas muitos doces.

Ainda é incrível pra mim quando em determinada cena os três aparecem sem suas deficiências, nos mostrando a possibilidade de atuações incríveis dos atores, em especial o que interpreta Philip, que é tetraplégico na obra.

Talvez o filme pudesse ter terminado na cena em que Philip encontra Lars pela manhã na praia, em meio às ondas, dando um caráter menos esperançoso ao filme. Mas talvez, de qualquer modo, a esperança, não só pra eles como pra todos, seja, de fato, necessária.

Enfim, Hasta la Vista é uma poesia do cinema moderno.Obrigatório.


IMDB - Hasta la Vista