Sou grande admirador da arte de filmar e dos temas abordados por Costa-Gravas, mas há anos fui bastante relutante em assistir a Amém, filme no qual ele aborda o posicionamento da Igreja Católica no holocausto ocorrido durante a Segunda Guerra Mundial, bem como seu relacionamento com o Nazismo.
Tendo assistido ontem, percebi que minha relutância não tinha fundamento.
Trata-se de um filme excepcional, tanto sob o ponto de vista estético, como pelo contexto histórico ao qual somos alçados para entender a discussão que é suscitada por Costa-Gravas, que é um dos grandes mestres no que se refere a filmes de abordagem política (vide Z, que denúncia abusos na ditadura militar na Grécia, e Desaparecidos, Um Grande Mistério, que aborda a ditadura de Pinochet no Chile).
Propriamente sobre o filme, o agente nazista Kurt Gerstein, especializado em higienização, é
enviado a Auschwitz, na Polônia, para acompanhar o tratamento dado aos
judeus deportados. Aterrorizado com o massacre que até então
desconhecia, retorna a Berlin certo de que deve denunciar a ação do
governo de Hitler. Não lhe dão ouvidos, porém, os pastores da Igreja
protestante da qual faz parte, e vira-lhe as costas a Igreja católica,
cuja ação do Papa seria essencial para um recuo da política nazista. Sob
pressão pelo cargo que ocupa (e pelas aparências que precisa manter), e
recusando-se a deixar a Alemanha, Gerstein será ajudado pelo jovem
padre jesuíta Riccardo Fontana, cuja proximidade ao Papa Pio XII poderia
fazer chegar ao mundo as informações da matança em escala industrial de
seres humanos na Alemanha. Assim, enquanto aguarda a ação de Fontana, e
do embaixador da Suíça junto ao governo americano, Gerstein arrisca a
própria vida retardando a fabricação do gás Zylon, utilizado nas
câmaras, e sendo cada vez mais pressionado a aumentar a "produtividade"
nos campos. A figura opressora no filme é caracterizada pelo personagem do Médico, que sarcasticamente sorri para aqueles que mal sabem que irão para a câmara de gás.
Vale dizer que antes da matança desenfreada aos judeus, as câmaras eram "testadas" em deficientes mentais, sendo que a sobrinha de Gerstein morreu desse forma. A desorganização do governo nazista na ora de explicar a causa da morte dos milhares de deficientes foi um grande estopim para que iniciasse uma "investigação" por parte de Gerstein sobre o ocorrido.
Amém recebeu críticas tanto da instituição chefiada pelo Papa quanto da imprensa. Falou-se que o filme tratava de assunto batido, sem trazer elemento novo ao debate. Reclamou-se de estilo "conservador", narrativa tradicional e falta de contundência, comparando este a outros filmes do diretor. Por outro lado, defendeu-se que Amém estaria na verdade falando do presente utilizando o passado, sendo seu verdadeiro alvo a omissão da comunidade mundial diante da miséria que a globalização financia.
No pôster de Amém (criado por Oliviero Toscani, o publicitário polemizador da campanha da
Bennetton), fundem-se cruz e suástica, imagem forte que representa essa relação Igreja x Nazismo abordada no filme.
Se havia uma justificativa para tamanha omissão da Igreja, essa seria caracterizada como o temor,
mostrado no filme, do Vaticano no caso de um pronunciamento direto
contra a Alemanha. A resposta, uma imediata invasão de Roma,
representaria não só o fim de uma ajuda aos perseguidos judeus, como
colocaria os próprios católicos na lista de perseguidos.
Em entrevistas, Costa-Gavras lembrou que não havia então sindicatos,
nem imprensa organizada; sobrava à Igreja a obrigação de informar o
mundo e posicionar-se frente ao genocídio (mais de 4.000 pessoas
enviadas por dia às câmaras de gás). Há quem diga tratar-se de conflito
mais ético do que político. Mas Eugenio Pacelli, o Pio XII, estava longe
de ser o ingênuo que o filme apresenta (que mais se preocupava com a destruição de uma Biblioteca do que com o massacre que ocorria, em determinada cena).
Em artigo, o historiador
Francisco Carlos Teixeira lembra que, antes do papado, sua atuação como
núncio em Berlim permitiu a Pacelli relacionar-se com a alta hierarquia
militar alemã. Não lhe eram desconhecidas as posições e ações nazistas.
Era inclusive dado como certo que, eliminados os judeus, Hitler não
tardaria em avançar sobre os cristãos.
Violência e terror, presentes em cada cena,
jamais chegam diretamente ao espectador, mas pelos olhares de Gerstein,
da movimentação de seus músculos faciais (que "sempre o traem"). Muito
bem interpretado por Ulrich Tukur, o personagem é o herói típico dos
filmes de temática social, que se recusa a fechar os olhos e luta
praticamente sozinho contra a injustiça de seus pares. Podemos até mesmo interpretar que o padre e o médico são as facetas "boa" e "má" de Gerstein, haja vista ser ele o único personagem que, de fato, existiu.
O filme mostra também a maneira como o governo alemão manipulava a opinião pública, principalmente as crianças, que adoravam a saudação nazista. Em canções infantis ou livros didáticos, o que se vê é o convencimento através da sugestão de uma ideologia.
O filme mostra também a maneira como o governo alemão manipulava a opinião pública, principalmente as crianças, que adoravam a saudação nazista. Em canções infantis ou livros didáticos, o que se vê é o convencimento através da sugestão de uma ideologia.
Todo o conjunto de detalhes de Amém fazem desse filme praticamente obrigatório pra quem se interessa pelo assunto, pois é também um ponto de partida para pesquisa mais aprofundada sobre o tema.
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