domingo, 30 de setembro de 2012

Bem vindo - Welcome

Bem-Vindo Poster
Fruto de uma parceria entre o ator Vincent Lindon e o diretor Philippe Lioret, Bem-vindo (Welcome, no título original) é um desses filmes que ficam com o espectador ao longo da trama e permanecem com ele após o fim da projeção, embora seja - e possivelmente é - clichê falar assim. Entretanto, a forma delicada de sua realização, aliada ao estilo minimalista, sem grandes discussões, como aborda o assunto, faz do filme uma preciosa obra, passada quase que de forma despercebida aqui no Brasil quando de sua estreia, em 2009.


Na projeção, Vincent Lindon interpreta o professor de natação Simon Calmat, que recebe na escola em que trabalha o jovem Bilau, interpretado por Firat Ayverdi, de origem curda, que, em uma tentativa de ir do Iraque, seu país de origem, para a Inglaterra, onde mora a garota por quem é apaixonado, acaba sendo parado em território francês juntamente com outros jovens, após três meses de viagem.

Entretanto, ao serem parados na França, acabam tornando-se pessoas sem país, com a origem apenas estampada em seus rostos, pois não podem ser encaminhados de volta ao Iraque, em virtude do país estar em guerra, tampouco são bem-vindos na França, por serem considerados ilegais, nem podem seguir, logicamente, para a Inglaterra.

Os cidadãos franceses também não podem ajudá-los, pois estariam incorrendo em crime, passível até mesmo de prisão. Logo, todos esses jovens tornam-se pessoas sem pátria, sem casa, sem rumo, sem ajuda.

Com todos esses fatores, Bilau começa a pensar em chegar na Inglaterra pela travessia do Canal da Mancha, a nado. Porém, ele não sabe nadar.

Ao conhecer uma escola de natação, começa a ter aulas com Simon, outrora nadador profissional, que além de ser seu professor, começa a tornar-se também um grande amigo e confidente. Simon, entretanto, tem seus próprios problemas - enfrenta a separação da mulher que ainda ama. As represálias começam a surgir também quando vizinhos e, posteriormente, as autoridades francesas descobrem a ajuda que é prestada por ele a Bilau.

Em suma, Bem-vindo é uma obra calma, sensível e poderosa sobre a coragem individual e sacrifício de seres humanos normais. Bilal e Simon são sinceros ao tentar fazer a coisa certa e não serem colocado fora de seu objetivo.O objetivo não é tomar uma posição sobre a imigração legal ou ilegal., mas apenas demonstrar que os imigrantes são humanos como todos nós, e têm as suas próprias histórias.


quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Só por hoje

Às voltas com traquitanas tecnológicas, o homem moderno perde-se na busca inalcançável da felicidade e do bem-estar, mascarado pela posse fugaz de objetos e prazeres instantâneos. O dia, que deveria ter vinte e quatro horas, passa a ser insuficiente para a quantidade de atividades e compromissos inadiáveis.

Corremos atrás de metas e prazos impossíveis de serem cumpridos.

Na tentativa de melhorar essa existência imediatista, o homem moderno busca na espiritualidade, na prática de esportes e na alimentação, teoricamente, balanceada, o equilíbrio destruído por ele mesmo, mas comete o erro crasso de transferir à busca pelo bem-estar as metas e os prazos exigidos pelo trabalho e pela tecnologia reinantes.

O ideal seria que nos atentássemos a viver o agora, um dia de cada vez, ligados somente ao presente. Mas esse ideal é destituído da graça de estar à frente, de ultrapassar barreiras oferecidas pela suposta vida moderna.

E assim seguimos, só por hoje, tentando sobreviver. Crentes de que, um dia, alcançaremos a almejada "vida melhor"....

....Vida esta que nunca pode ser o dia de hoje.

Por Camila Perroni, vulgo meu amor!

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

O abrigo - Take Shelter

Curtis LaForche (Michal Shannon) era um homem comum, humilde, com um emprego razoável que lhe permitia perceber um salário modesto como chefe de equipe de uma empresa de extração de areia, casado com Samantha (Jessica Chastain) e com uma filha de seis anos - Hannah (Tova Stewart) - que sofre de problemas auditivos (a atriz é, de fato, surda). 

Mesmo com as dificuldades de uma família de classe média, adicionado o problema de sua filha, eles são pessoas felizes e que se amam, sociáveis e que vão à igreja. Têm uma boa casa em uma pequena cidade de Ohio e um bom carro, o que lhes permite, de certa forma, contemplar o american way of  life.

Entretanto, mudanças estão por vir. Curtis começa a ter pesadelos, nos quais sua família e, até mesmo, seu cão estão incluídos, além de começar a ter visões que nos remetem ao início de uma grande tempestade apocalíptica. Diante disso, começa, enfim, sua paranoia em construir um abrigo para a sua família, como forma de defesa e de proteção.

Porém, construir um abrigo demanda tempo e dinheiro. No tempo que ele deveria trabalhar, está submerso em seu abrigo, que é pensado em cada pormenor de modo que não falte nada quando a grande tempestade chegar. E o dinheiro que ele deveria usar para custear o tratamento da filha ou mesmo para a viagem das férias, ele utiliza para comprar todos os equipamentos necessário para a construção do abrigo.

Por conta disso, os problemas começam a surgir em sua família e em seu trabalho. As pessoas ao seu redor  já não conseguem vê-lo como alguém "normal".  A obsessão e a paranoia já tomaram conta de Curtis, que não pensa duas vezes em dar seu cão ao irmão, após um pesadelo no qual o animal quase arranca seu braço. Além disso, seu acesso de ira com um antigo amigo aflora toda a capacidade interpretativa de Michael Shannon, deixando-nos impressionados com tamanha intensidade.

Não obstante, ele mesmo (Curtis), em um primeiro momento, pensa que algo está errado com ele, uma vez que esses eventos possam ser talvez um prenúncio de esquizofrenia, doença que atingiu sua mãe. Por isso, visita o médico da cidade e vai a sessões com uma psicóloga. A melhora vem, mas é passageira. Diante do anúncio de uma tempestade de se aproxima, ele e sua família vão para o abrigo. Será que as suas visões se justificariam? Será que ele não estava louco como todos imaginavam?

Para não estragar a experiência fílmica de assistir a este filme, indico que a partir daqui terão spoilers que sugiro serem lidos apenas por quem já assistiu a obra.

Feito essa observação, adentramos no abrigo e Curtis, após certo tempo, não tem coragem de sair do mesmo pra ver se a tempestade já cessou. Ele afirma que ela continua, mesmo sem ter certeza. Fica na vontade de Samantha a vontade de sair daquele lugar e ver o que ocorreu. Eles saem e vislumbram um céu ensolarado e resquícios do que pode ter sido uma tempestade com uma ventania muito forte, mas nada além disso e nada que justificasse toda a obsessão de Curtis.

Visto isso, até mesmo ele começa a duvidar de si e de suas visões e pesadelos, bem como o que poderiam representar. Porém, a ida à praia da família de Curtis irá provar o quão certo ele estava e que suas visões proféticas se tornarão realidade. O abrigo agora configura-se nos braços de sua esposa e de sua filha, em uma cena que mostra que não é apenas mais um filme qualquer, mas sim uma obra que quer e consegue nos transmitir algo a mais. A loucura, se era mesmo loucura, tinha sua justificativa plausível de ser.

Ao término do filme e mesmo depois de um tempo refletindo sobre o mesmo, a impressão que ficou foi a de um paralelo entre as visões apocalípticas de Curtis e as razões dos Estados Unidos da América em suas guerras contra o terrorismo - podem parecer loucos, mas no final, estariam certos (?). E, assim, seria uma forma de buscar justificativas pra tudo o que já se foi feito, como uma busca por um mal maior.

Entretanto, é apenas uma leitura que fiz, que não necessariamente é certa ou errada, que pode ou não ser a visão do Jeff Nichols quando escreveu o roteiro. Isso é algo que parte da impressão de cada um, mas que vale discutir as interpretações.

O abrigo, enfim, conta com uma direção praticamente impecável de Jeff Nichols (diretor de Shotgun Stories, que também conta com Michael Shannon), que também assina o roteiro, além de atuações exuberantes de Michael Shannon e de Jessica Chastain (que também atuou em A Arvore da Vida e Histórias Cruzadas). Também é bom destacar a trilha sonora do filme, composta por David Wingo.

É certamente um dos grandes filmes lançados neste ano aqui no Brasil (o lançamento nos EUA foi em Outubro de 2011), que foi diretamente para as locadoras sem ter passado pelo cinema, o que me causou grande tristeza. Assisti-lo na tela grande seria um evento prazeroso, mas que nos foi renegado por motivos, certamente, financeiros, haja vista que o longa não foi tão bem recepcionado em território norte-americano - o filme teve um custo estimado em cinco milhões e rendeu apenas pouco mais de 3 milhões, segundo estimativas do IMDB. Uma pena.


Ficha Técnica:

Diretor: Jeff Nichols
Elenco: Michael Shannon, Jessica Chastain, Tova Stewart, Shea Whigham, Katy Mixon, Natasha Randall, Ron Kennard, Scott Knisley, Robert Longstreet, Heather Caldwell
Produção: Tyler Davidson, Sophia Lin
Roteiro: Jeff Nichols
Fotografia: Adam Stone
Trilha Sonora: David Wingo
Duração: 120 min.
Ano: 2011
País: EUA
Gênero: Drama
Cor: Colorido
Distribuidora: Sony Pictures
Estúdio: Strange Matter Films / Grove Hill Productions / Hydraulx

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Mouchette

A cena de abertura de “Mouchette – a Virgem Possuída” (França, 1967) mostra um caçador, na floresta, preparando armadilhas para pássaros. Ele consegue capturar um, o bicho se debate em desespero, e o homem o solta. Trata-se de uma metáfora quase óbvia para o que a platéia verá nos 75 minutos a seguir: os moradores de uma aldeia rural no interior da França, tratando com desprezo e crueldade uma adolescente de 16 anos – a menina do título – cuja mãe está à beira da morte. O filme, sempre citado como um dos mais importantes entre os treze que Robert Bresson dirigiu, oferece uma experiência perturbadora.

A narrativa é estruturada como uma série de incidentes em que Mouchette (Nadine Nortier) sofre todo tipo de abuso dos aldeões – o filme inspirou o dinamarquês Lars Von Trier a escrever o polêmico “Dogville” (2003). As colegas de colégio riem dela, os adultos a tratam com agressividade. O pai de Mouchette não lhe dirige um único olhar. Apenas uma pessoa na vila gosta dela: a mãe. Só que a mulher sofre com um câncer terminal, e passa todo o tempo deitada na cama, gritando de dor. Mouchette estuda, precisa ganhar dinheiro, e quando chega em casa nada de descanso, pois é obrigada a cuidar da mulher enferma e do irmão recém-nascido.

Há um paralelo bíblico evidente entre a história de Mouchette e a parábola de Jó, narrada no Velho Testamento. Ele é um homem obrigado a suportar sofrimentos infindáveis em uma série de tentações demoníacas. A inspiração bíblica fica ainda mais clara quando se sabe que Bresson era um diretor profundamente católico, que seguia os ensinamentos de uma corrente religiosa chamada jansenismo. A doutrina prega a disciplina rígida de corpo e espírito para alcançar a iluminação, tendo alguma semelhança com o budismo. Em “Mouchette”, Bresson parece nos dizer que a vida é uma prisão, e que somente a morte liberta.

Ao provocar uma constante sensação de incômodo no espectador, por obrigá-lo a testemunhar o sofrimento permanente de uma adolescente atormentada, “Mouchette” acaba por se mostrar um dos melhores trabalho do diretor francês. Neste filme, Bresson constrói uma situação-limite, mas nem assim abandona o impressionante rigor formal e a abordagem distante, impassível e objetiva, das ações que observa. O longa-metragem poderia fornecer farto material para um melodrama, mas a secura da narrativa afasta as emoções. Se parece uma história triste, é porque o espectador desenvolveu por ela um sentimento que é só dele, e não está no filme.

Em “Mouchette”, a orientação que o diretor gostava de dar aos atores – atuar sempre com o rosto neutro, sem expressões faciais que possam sinalizar ao público o que se deve sentir – causa um efeito perturbador. Nós assistimos à crueldade com que todos os personagens do filme tratam a jovem protagonista, e sentimos raiva por ela, porque a face dela não demonstra reação. Nada. O resultado disso é uma sensação de desorientação, de vazio, de não saber o que está ocorrendo. Bresson exige que o espectador reaprenda a olhar. Um filme do diretor francês desarma a platéia, e “Mouchette” é um dos melhores nesse sentido.

O filme ganhou lançamento no Brasil em DVD pela Silver Screen Collection. O disco é simples e contém apenas o filme, restaurado, com boa qualidade de imagem (wide 1.77:1) e som (Dolby Digital 2.0). E vale ainda abominar o ridículo subtítulo nacional.

- Mouchette, a Virgem Possuída (França, 1967)
Direção: Robert Bresson
Elenco: Nadine Nortier, Jean-Claude Guilbert, Maria Cardinal, Paul Hebert
Duração: 78 minutos

Fonte: http://www.cinereporter.com.br/criticas/mouchette-a-virgem-possuida/

Trailer feito por Jean-Luc Godard:


quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Bem amadas (Christophe Honoré) e o Novo Cinema Francês

Na semana passada, fui ao Reserva Cultural assistir, com a presença inseparável da minha namorada, o novo longa-metragem meio sort of musical do diretor francês Christophe Honoré, Bem amadas, que se acostumou a fazer filmes dessa maneira, variando a narrativa convencional pelo uso frequente desse musical não tão convencional, no qual os personagens cantam de forma despretensiosa - um cantar falado, por assim dizer, típico francês.

Antes de falar do filme, gostar de fazer uma breve introdução sobre Christophe Honoré, que faz parte da "nova velha" geração do cinema francês, que se não bebe tanto da Nouvelle Vague de Truffaut e Godard, bebe da Nouvelle Vague de Chabrol e Resnais, fazendo um cinema bem autoral, pois sabemos que um filme é de Honoré quando assistimos.

Algumas características de seus filmes são a temática por muitas vezes voltada para relações homossexuais, conflitos familiares e amorosos, intensidade da melancolia e utilização, em alguns filmes, da linguagem cantada.

Nascido em 1970, Christophe escreveu alguns artigos para a famosa Les Cahiers du Cinéma e  livros destinados a jovens adultos na década de 90. Escreveu duas peças de teatro e começou na direção em 2000, com o filme Nous deux. Com esse, já são onze filmes em sua curta carreira de sucesso. Particularmente, dentre esses onze filmes, destaco: Em paris, Canções de Amor, A Bela Junie, Não minha filha, você não vai dançar e o atual Bem Amadas, todos com a participação de Louis Garrel, com quem firmou essa fiel parceria.

Vale dizer que essa nova geração do cinema francês também conta com outros nomes de peso: Cédrik Klapisch, que dirigiu Albergue Espanhol, Bonecas Russas e Paris, seus trabalhos mais reconhecidos. E se Honoré tem sua parceria com Louis Garrel, Klapisch tem a sua com outro grande ator francês da atualidade, Romain Duris. François Ozon, contemporâneo de Honoré e Klapisch, também produz um belo cinema, com alguns filmes muito bons, tais como Oito Mulheres, Swimming Pool, O Tempo que Resta, Angel, O refúgio e Potiche. 

Voltando a Bem-Amadas, o seu começo com "These boots are made for walking", onde mulheres experimentam os mais variados pares de sapatos, empolga. Estamos em Paris, na década de 1960, acompanhando Madeleine (Ludivine Sagnier, de Uma Garota Dividida em Dois, de Claude Chabrol), vendedora da loja de sapatos da cena inicial, que se torna prostituta ocasionalmente (prostitui-se para comprar seus sapatos e para não roubar), até ser resgatada por um médico tcheco, Jaromil (Radivoje Bukvic), com quem tem uma filha e se muda para a cidade de Praga. 

Porém, não consegue ficar muitos anos lá: a infidelidade do marido se une aos problemas políticos que se passava na então Tchecoslováquia, no evento histórico conhecido como Primavera de Praga, período de liberalização política do país durante a época de sua dominação pela União Soviética após a Segunda Guerra Mundial. Esse período começou em 5 de Janeiro de 1968, quando o reformista eslovaco Alexander Dubček chegou ao poder, e durou até o dia 21 de Agosto quando a União Soviética e os membros do Pacto de Varsóvia invadiram o país para interromper as reformas.

É de se ressaltar que a direção de arte, figurino e cores são muito bem elaborados para a criação de um passado remoto e para a fidelização ao tempo histórico que Honoré busca retratar. Tudo é tratado com minúcia pra nos deixar vivenciar o passado.

O passado e o presente fazem um diálogo na figura de Madeleine (na maturidade interpretada por Catherine Deneuve) e sua filha, Vera (Chiara Mastroianni, filha da atriz com Marcello Mastroianni). Ela busca um amor além do amor que sente/sentiu por Clément (Louis Garrel), e o seu recente envolvimento é com Henderson (Paul Schneider), músico norte-americano gay. Clemént, por sua vez, nunca escondeu que seu amor continua e, por isso, ainda sofre por não conseguir alcançar Vera.

Todo o amor, sua ausência, o sofrimento e alegria são pontos que culminam na expressividade musical de seus personagens. Cantando, talvez, você expressa sentimentos que não se desenvolvem no diálogo convencional. Mas, ao mesmo tempo que entendemos a sua utilização, parece-me que Honoré, em Bem Amadas, exagera ao concentrar as encenações musicais em alguns momentos do filme, o que pode cansar. Se fossem tratadas de forma homogênea durante toda a projeção, talvez não fosse um problema.

Seguindo, o pai de Vera volta para França, agora interpretado pelo cineasta tcheco Milos Forman (diretor de Amadeus e Um estranho no ninho), e novamente quer ser amante de sua ex-mulher que, mesmo casada com François (Michel Delpech), não resiste e se entrega, mas não abre mão de seu casamento. É um círculo vicioso a que estes personagens se submetem. Mas isso, não obstante, traz clichês franceses à tona - de que são promíscuos, libertinos, poligâmicos, etc, o que se intensifica no avanço da relação entre Vera e Henderson, onde, aliado a isso, a consciência e o bom-senso se deixam levar pela loucura e pelo egoísmo.

Trafegando entre momentos históricos - Primavera de Praga e pós 11.09 - o longa é uma história sobre o amor, o "desamor" e suas consequências, além de ser uma espécie de antítese ao título do filme. Mas até mesmo pela pluralidade de personagens, nenhum é muito profundamente trabalhado, o que nos impede de ter uma relação mais direta com a trama. Não é um filme ruim, mas de meio termo, com suas regularidades e irregularidades.


terça-feira, 24 de julho de 2012

Drive - de Incubus a Nicolas Winding Refn e Ryan Gosling

Quem me conhece, sabe o quanto gosto da banda Incubus e de como a música Drive - do álbum Make Yourself, de 2002 - é a minha preferida, até mesmo por ter sido a primeira que eu escutei deles. Música que escutei pela primeira vez em 2004 e que, desde então, nunca saiu do iPod.

A letra e toda a construção musical, com a voz de Brandon Boyd e Mike Einziger na guitarra, fizeram-me descobrir todo um universo musical - rock alternativo dos anos 2000 - que estava por vir. Inquestionavelmente, o videoclipe é também de uma beleza e sutileza ímpar. 

O ano de 2004 também foi um ano marcante na minha redescoberta do cinema, com a minha releitura sobre o quão influenciável era a 7ª arte pra mim. Então com 19 anos, naquele ano senti que descobri o cinema de verdade e que havia aberto os olhos para algo que desde então passou a ser um dos grandes caminhos da minha vida.

E esses caminhos acabaram me levando a uma sala de cinema - MK2 - em Paris, com a minha namorada, no primeiro dia deste ano, para assistir Drive, dirigido por Nicolas Winding Refn (ganhador do prêmio de direção em Cannes pela obra) e estrelado por Ryan Gosling no papel do Motorista. Quem também me conhece, assim como sabe que Drive, a música, tem grande impacto pra mim até hoje e sempre terá, sabe também que Drive, o filme, causou um tornado avassalador dentro de mim e já está pra mim em várias das minhas listas de Top Top de filmes.

No filme, que conta com uma das melhores trilhas sonoras que eu já ouvi (com Cliff Martinez assinado a maioria delas, mas tendo o grande ápice com Nightcall do Kavinsky e Lovefoxxx), Gosling faz o melhor papel de sua carreira, como um personagem que alterna seus trabalhos de dublê com os de motorista em assaltos, com incrível habilidade, sem participar diretamente dos atos e sem pegar em armas 

"I don't carry a gun. I drive".

Assim como em Drive, a música, o Motorista de Drive, o filme, deixa que o volante guie seu medo, suas incertezas e sua vida, sabendo que, o que quer que o amanhã traga, ele estará lá de olhos bem abertos, conduzindo-se e alcançando sua luz (ou não?), traçando um breve paralelo com a letra da música, mas sem sugerir que a música poderia ser utilizada no filme, o que eu não acho que seria possível, pois a temática de ambas as obras é diferente.

Sometimes I feel the fear
Of uncertainty stinging clear
And I can't help ask myself how much
I'll let the fear take the wheel and steer (...)
Whatever tomorrow brings I'll be there
With open arms and open eyes (...)
But lately I'm beginning to find that
When I drive myself my light is found

Finalmente, o que quis aqui foi apenas homenagear essas duas obras que me marcam tanto. Porém, não sou insensato e, obviamente, trabalharei ainda mais em meus posts com o filme Drive, traçando seus paralelos com Sam Peckinpah, Marcas da Violência de David Cronenberg e Old Boy de Chan-wook Park.

Abaixo, deixo o videoclipe de Drive do Incubus, bem como o trailer de Drive, do Nicolas e Ryan.




quinta-feira, 12 de julho de 2012

Mostra - Georges Méliès, mágico do cinema (MIS)


Um dos grandes pais do cinema, ao lado dos irmãos Lumiére, pelo menos do que se há registro, foi escolhido como homenageado de uma exposição no Museu da Imagem e do Som (MIS), em São Paulo. Georges Méliès, mágico do cinema vai remontar a trajetória do artista cujas invenções transformaram e expandiram a sétima arte (considerada desse forma por ser a junção de todas as demais artes).


A mostra, produzida pela Cinemateca Francesa, reúne uma coleção rara do cineasta que é conhecido como “pai dos efeitos especiais” - ele realmente trabalhava como mágico e levou suas técnicas ilusionistas às telonas, o que impressiona, dado que fora realizado no início do século passado. A criatividade utilizada por Méliès é altíssima!

Entre os anos de 1896 e 1912, Méliès foi responsável por mais de 500 filmes, sendo alguns clássicos, como A Viagem à Lua, de 1902, que na exposição é exibido dentro de uma nave inspirada na ficção científica. Esse filme, por sinal, inspirado nos contos de Júlio Verne, guarda grande relação com a história da época em que fora idealizado: a presença de habilitantes na Lua, tratados como um povo primitivo e violento e que precisam ser derrotados através da luta armada remonta à época da colonização.

Além da exposição, uma oficina vai proporcionar aos visitantes a experimentação de Méliès com uma instalação na qual grupos de até oito pessoas poderão criar seus próprios filmes de até 30 segundos, explorando a imaginação e as técnicas do mágico. O ingresso para a instalação custa R$ 10.

Georges Méliès, mágico do cinema
De 4 de Julho a 16 de setembro de 2012
Museu da Imagem e do Som de São Paulo - Avenida Europa, 158 – Pinheiros – São Paulo
Horário: Terças a sábados, das 12h às 21h; domingos e feriados, das 11h às 20h
Ingresso: R$ 4 (inteira) e R$ 2 (meia) / Terça: Gratuito.

Abaixo confiram  "A viagem à Lua", um dos clássicos de Georges Méliès.



segunda-feira, 9 de julho de 2012

Uma garota dividida em dois

Charles (François Berléand) é um premiado escritor de meia-idade, não especialmente bonito mas cercado de mulheres deslumbrantes, desbravador sexual. Já o jovem Paul (Benoît Magimel), de franja moderninha e queixo quadrado de galã, foi negligenciado pela mãe quando criança e vive à sombra do pai morto e milionário. São dois opostos, enfim. O intelectual e o sanguíneo, o velho e o novo, o casado e o solteiro, o amante bem resolvido Charles e o emasculado Paul.

Quem tem que escolher entre um e outro, como já adianta o título do novo filme do mestre francês Claude Chabrol, Uma Garota Dividida em Dois, é a bela Gabrielle (Ludivine Sagnier, de Swimming Pool). Garota de tempo de uma emissora de TV, dá pra ver pela cara dela que a moça vai subir rápido na carreira. Paul se apaixona à primeira vista, assim como Gabrielle rapidamente se deixa levar pelas frases feitas de Charles. O número de ilusionismo da bela cobaia serrada ao meio é a perfeita imagem poética do que Gabrielle vai enfrentar.

Como sempre um arguto cronista da sociedade, que não se furta a usar do humor visual mais sarcástico, como nos close-ups que dá na mãe de Paul, Chabrol comenta as castrações e as liberdades na alta roda pensante francesa em torno desse "mistério da humanidade que é a sexualidade", como define Charles.

Aos poucos o filme adiciona mais características, além daquelas primeiras, à polarização entre o escritor e o playboy. Entrega versus mentira, conhecimento versus conforto. São dois mundos que, de fato, não se conciliam. De um lado Charles diz, com a maior naturalidade, que não pode se divorciar da esposa porque "não tem nada contra ela", uma visão mais do que libertadora de uma instituição-clausura como o casamento. Do outro, por sua vez, Paul se inflama porque acredita no casamento em seu estado mais primal, tal o rito do sacrifício de uma virgem.

No fundo há em Uma Garota Dividida em Dois uma crítica ao conservadorismo cego de Paul e uma evidente simpatia pela permissividade sexual de Charles, mas ambos os lados têm seus momentos de cruel pragmatismo. E Chabrol, como todo grande cineasta francês, sabe sintetizar no rosto puro de Ludivine Sagnier esse universo de questões.

Retirado de Omelete



domingo, 8 de julho de 2012

Até a Eternidade


O ator Guillaume Canet, que atuou recentemente do longa Apenas uma noite, assina a direção e o roteiro de  Até a Eternidade (Les petits mouchoirs no título original), trama sobre um grupo de amigos que se reúnem para férias à beira-mar, enquanto torcem pela recuperação de outro que está hospitalizado.

A primeira cena mostra Ludo (o ótimo Jean Dujardin, antes de ganhar o Oscar por O Artista) saindo de uma balada já pela manhã e, antes mesmo do fim dos créditos iniciais, sua moto já está debaixo de um caminhão e ele no hospital - a cena é muito bem construida e surpreende bastante. O acidente é um catalisador para o reencontro de um grupo de personagens que, apesar do acontecido, resolve manter as férias habituais na casa de um deles - Max (François Cluzet, de O último caminho, e que lembra um pouco Dustin Hoffman pela aparência).

Aos poucos e sutilmente, os personagens mostram as suas caras, ganham identidade e a simpatia do público – especialmente porque não são clichês ambulantes, são gente de carne e osso, com medos, ansiedades, inseguranças e desejos. Não simbolizam uma virtude ou um defeito, mas conseguem reunir qualidades e falhas. A tragédia começa a intercalar muito momentos com a comédia. Ao mesmo tempo que rimos em vários momentos, não conseguimos esquecer que Ludo ainda continua muito mal no hospital.

Max (François Cluzet, de O Último Caminho) é um rico dono de hotel que tenta não se incomodar com as investidas do amigo Vincent (Benoît Magimel, de Uma Garota Dividida em Dois), que anda confuso com sua sexualidade.

Marie (Marion Cotillard, de Meia-noite em Paris) também tem dúvidas sobre quem, como ou se deve amar. Já Éric (Gilles Lellouche), mulherengo inveterado, gosta de manter uma namorada, só por garantia. E Antoine (o comediante Laurent Lafitte) fica esperando que sua Juliette (Anne Marivin) perceba a bobagem que fez ao terminar o relacionamento deles.

É esse cuidado com os personagens que mais encanta no drama de Canet, que trata a todos com dignidade. Há uma harmonia no elenco que faz com que todos estejam no mesmo patamar.

Marion, que divide sua carreira entre filmes nos EUA (A Origem,  Nine) e Europa (como o recente De Rouille et D’os), é uma presença luminosa aqui, enquanto Dujardin passa praticamente todo seu tempo em cena na cama de um hospital e com maquiagem pesada, por conta do rosto desfigurado com o acidente. Particularmente, gostaria de ter visto mais tempo dele em cena.

A longa duração de Até a Eternidade (mais de duas horas) não incomoda em nenhum momento, pois há muita força dos personagens e uma bela trilha sonora, mesclando clássicos dos anos 1970 (como Janis Joplin e The Weight) e músicas contemporâneas.

O filme estreiou apenas em São Paulo e apenas em uma sala - no Espaço Itaú do Shopping Frei Caneca.




domingo, 1 de julho de 2012

Para Roma, com Amor

Para Roma Com AmorPara Roma, com Amor, novo filme de Woody Allen, é inspirado no Decamerão, coleção de cem novelas escritas por Giovanni Boccaccio entre 1348 e 1353. A narrativa é composta por quatro histórias "paralelas" que envolvem traição e fama. O longa é repleto de referências e cópias de personagens e tramas presentes em longas não só de Allen, mas também do cineasta italiano Federico Fellini

O triângulo amoroso formado por Jack (Jesse Eisenberg), Sally (Greta Gerwig) e Monica, uma dita femme fatale (mas interpretada por Ellen Page, convenhamos que não é muito plausível) é interferido por John (Alec Baldwin) - que atua como a subconsciência de Jack, ou apenas um espectro, ou seria Jesse a versão juvenil de John? -, prevendo o envolvimento do jovem com a amiga de sua namorada Sally.

Aqui fica tudo muito parecido com Igual a Tudo na Vida, pois os personagens de Eisenberg e Page são similares ao casal Jerry (Jason Biggs) e Amanda (Cristina Ricci). Ele, um jovem com suas aflições e inseguranças; ela, uma jovem atriz vulnerável, tempestuosa e incontrolável.

Outra trama envolve um casal recém casado do interior, que chega na cidade para tentar se estabelecer; a história é cópia adaptada do filme O Abismo de um Sonho, de Fellini. As semelhanças nas tramas e nos personagens são muito perceptíveis. A traição na obra de Allen é mais incisiva que no original de Fellini, com interferência da oscarizada Penélope Cruz, como Anna. Infelizmente, os personagens de Cruz e Baldwin, mesmo tendo um papel importante em seus segmentos, não têm finalizações, ficando perdidos na ação. Baldwin, por exemplo, inicia o filme em uma mesa com sua mulher e amigos, e depois se limita a ser um personagem "sombra" na história entre Jack, Sally e Monica. Por outro lado, mesmo estando muito bem, não entendo o porquê de se escolher uma atriz espanhola - Cruz - para interpretar uma mulher italiana, se poderia ser aproveitada a ocasião pra se escolher uma atriz italiana para o papel - Monica Belucci, talvez.

O italiano Benigni faz sua participação em um segmento, que tem como tema a fama súbita. O desenrolar de sua história é a que mais se aproxima do universo do diretor. Trata-se de um homem normal que da noite para o dia vira celebridade. Esta narrativa é uma crítica às convenções de consumo e das celebridades instantâneas que não tem nada a dizer nem um talento considerável para a fama. E em contraponto a esta história, um casal e suas famílias: de um lado a turista americana Hayley (Pill) e de outro o italiano Michelangelo.

A família de Hayley é composta por um diretor fonográfico aposentado (Allen) e por uma psiquiatra niilista (Davis). Já os pais do noivo são um casal simples, tendo o pai um talento nunca explorado. Os diálogos e circunstâncias desta parte da narrativa são levados aos absurdos que só Woody é capaz de levar para as telas. Os conflitos e situações de extremos são típicas do diretor em todo o longa. Mas também é possível encontrar muitos diálogos, frases e ações já visitadas por ele. Seu alter ego (sempre presente em seus filmes), incorpora os demais personagens.

A falta de relação entre os segmentos acaba deixando o filme bem chato de se acompanhar depois de algum tempo. As histórias, em tese, deveriam se passar no mesmo espaço de tempo, mas enquanto a história do casal italiano se passa em um longuíssimo dia, os segmentos dos personagens de Benigni, Eisenberg, Page, Allen e Baldwin se passam em alguns dias, talvez semanas. Essa falta de sincronia no tempo nos afasta ainda mais do desenvolvimento das narrativas.

Além disso, se o título do filme nos remete a uma homenagem a Roma, tal como fora feito em Meia-noite em Paris, essa homenagem contempla críticas - vide a da criação de celebridades pela mídia, apenas para ter o que falar, assim como acontece em BBBs e congêneros - que não sabemos se a intenção é remetá-las tão somente para Roma e seus habitantes ou se de uma forma geral.

Depois de seis anos sem atuar em seus filmes - a última vez foi em Scoop - o seu retorno foi infeliz. Nesse curto espaço de tempo ele fez filmes muitos bons (Vicky, Cristina, Barcelona e Meia-noite em Paris), em que as cidades-personagens ganharam homenagens muito especiais.

Mas isso não se repete em Para Roma, com Amor, que, diante da filmografia de Woody Allen, é muito irregular, pra não dizer ruim.





quarta-feira, 27 de junho de 2012

Curta: Traz Outro Amigo Também

Eu particularmente adoro assistir curtas-metragens. São, geralmente, diretos na forma de abordagem do assunto. Rápidos e suscintos, que chegam e arrebatam. Por vezes, um longa pode se "perder" no meio do caminho, seja por falha no roteiro, seja por uma questão de direção ou por qualquer outro motivo. Mesmo um bom longa pode ter seus momentos ruins em sua extensão. Mas isso não pode ocorrer em um bom curta.

A vida do curta-metragem é muito curta. Ele nasce e tem que fazer acontecer - e isso é bem difícil.

Por isso, dedico esse post aos curtas e, em especial, ao curta-metragem Traz Outro Amigo Também, que assisti há pouco no Canal Brasil, na sessão Curta na Tela, com direção de Frederico Cabral.

De sensibilidade ímpar, a pequena obra nos conta a história de um empresário que contrata um detetive para procurar seu amigo imaginário de infância - Cornélios, desaparecido há mais de 50 anos.

O detetive aceita a empreitada após receber uma boa quantia em dinheiro, mesmo sem acreditar na possibilidade de se investigar algo praticamente impossível - não sabia nem fingir que estava trabalhando nesse caso. Talvez fosse tarefa para um psiquiatra, mas foi por indicação deste, aliás, que o empresário resolveu procurar o detetive.

Trata-se de um grande exercício de imaginação e criatividade, que merece ser divulgado e visto. Por isso, segue abaixo o curta na íntegra.


terça-feira, 26 de junho de 2012

Panorama - Cinema Chileno Hoje

De 19 a 24 de junho foi realizado o cineclube Cinema Chileno Hoje, no Cine Olido, com o intuito de nos atualizar sobre a situação do que se produz, em termos cinematográficos, atualmente no Chile.

Musica campesinaNão consegui assistir a todos os filmes, infelizmente, e dos que assisti, apenas dois chamaram a minha atenção: Música Campesina e Velódromo, ambos sob direção de Alberto Fuguet e com o mesmo ator protagonista, Pablo Cerda.
O primeiro conta a história do músico Tazo Alejandro, que viaja para Nashville, nos Estado Unidos, junto com a namorada, de quem logo se separa. A partir disso, sua rotina se mistura entre arranjar lugares pra dormir e conhecer novas pessoas, mesmo sem saber falar muito bem inglês. 

É um filme que vale por alguns diálogos - como aquele em que Tazo e um norte-americano discutem sobre a filmografia de Clint Eastwood e mencionam o filme Nashville, de Robert Altman - e sobre como o Chile ainda pode ser um país desconhecido pra muita gente (tanto que, em determinado momento do filme, Tazo diz ser espanhol).

O segundo - Velódromo -, trata da história de Ariel Roth, próximo de completar 35 anos de idade, que é abandonado pela namorada e melhor amigo, em virtude de suas manias (uma delas, andar de bike pra lá e pra cá) e ritmo de vida. É um filme que empolga no começo, mas que se alonga demais. É bom ver filmes que retratam de certa forma o cotidiano de "pessoas normais" - assim como em Medianeiras. Mas Velódromo peca pelo excesso em tentar abobalhar muito Ariel em determinados momentos, ao passo que, em vez de nos identificarmos cada vez mais com o personagem - como acontece em Medianeiras (pelo menos no meu caso) -, acabamos nos afastando.

De qualquer forma, são filmes que eu aconselho buscarem de alguma forma (leia-se torrent), haja vista que é improvável, pra não dizer impossível, que tenham distribuição no Brasil.

Os outros que assisti, coincidentemente, voltados para a temática política, mais propriamente sobre a ditadura de Pinochet - Lucia, O Edifício dos Chilenos e Post Morten - não me agradaram tanto.



A Mulher do Lado (La Femme D'à Côte)

Em Grenoble, sudeste da França, a obra se inicia com uma mulher - gerente de um clube de tênis - que narra os trágicos acontecimentos que se sucederam quando um homem casado - Bernard (Gèrard Depardieu) - tem novos vizinhos e é surpreendido ao ver que a mulher do novo inquilino, Mathilde (Fanny Ardant), já esteve envolvida com ele, há oito anos atrás, em uma relação tumultuada e doentia.

Ambos se comportam como se estivessem se conhecendo naquele instante, deixando claro, entretanto, que Bernard não quer manter qualquer tipo de contato com Mathilde. Mas, em pouco tempo, o caso deles é reiniciado - primeiro, como um ajuste de contas, depois, como amantes. Durante uma festa ele perde o total controle da situação e o fato deles terem sido amantes no passado vem à tona, deixando toda a situação mais tensa.

Sentimos como é duro e impiedoso esse amor entre Bernard e Mathilde, haja visto que atravessa até mesmo a felicidade que Bernard tem com sua família até então - é casado com a jovem e bonita Arlette (Michèlle Baumgartner), com quem tem um filho, Thomas (Olivier Becquaert) -, a qual é sobreposta. Mathilde também não tinha uma vida infeliz e era casada agora com Philippe Bauchard (Henri Garcin). Ou seja, não se trata de pessoas que não amavam seus parceiros. Talvez o amor que nutriam por seus respectivos companheiros era o amor saudável, ideal para a manutenção de uma relação. Já o amor que nutriam um pelo outro era destrutivo e que nunca iria se firmar.

Mas não é no enredo que está a melhor qualidade do filme, e sim no modo como François Truffaut o desenvolve. A história é narrada pela presidente do clube de tênis da cidade (Véronique Silver). Ela mesma marcada por uma paixão do passado que lhe deixou marcas pra sempre. Esse é o ponto de partida para o diretor conduzir a trama de maneira arrebatadora.

Apesar da tensão que envolve as personagens, elas se comportam com leveza. Pelo menos socialmente. Na intimidade, deixam a atração aflorar. Fanny Ardant e Gèrard Depardieu, jovens, atraentes, bonitos e elegantes, esbanjam talento e sensualidade. A Mulher do Lado marcava o início de brilhante carreira cinematográfica para os dois.

Depois desse, François Truffaut fez apenas um filme: “De Repente, Num Domingo (Vivement Dimanche), haja vista sua morte prematura em 1984, vítima de um tumor cerebral.

domingo, 24 de junho de 2012

A Queda

O texto de A Queda traduz o sentimento de ansiedade, próprio do indivíduo que traz a angustia e a necessidade de ser ouvido, devido à falta de atitude que levou Jean-Baptiste Clamence, protagonista da história, a sentir culpa por não ter dado a atenção a um fato que resultou na morte de uma mulher.

A impossibilidade de retroceder no tempo e transformar a omissão em ação fez do personagem um indivíduo ansioso, a ponto de levar o autor a estruturar o texto em um monólogo, capaz de colocar o leitor na condição do interlocutor desconhecido, inoperante e absorto.

Jean-Baptiste Clamence, advogado parisiense que se denominou “juiz-penitente”, deixou o glamour da cidade após uma vasta experiência hedonista, na qual a busca do prazer e da satisfação pessoal chegou a extrapolar o sentimento egocentrista. Instalou o seu escritório, em um botequim conhecido como México-City, na cidade de Amsterdam e em companhia dos frequentadores identificava clientes potenciais.

Quase sempre, divulgava suas ideias às pessoas que conviviam no local, contudo, certo dia, elegeu um cliente do botequim México-City como ouvinte da maioria das suas angustias e inquietações.
O monologo é composto de frases provocativas e audaciosas. Coloca o protagonista no centro da história, expondo-o à avaliação de conceitos e atitudes que evidenciam um estilo de personalidade  com tendência existencialista.

Diz o protagonista com sentimento egocentrista:  

“Já reparou que só a morte desperta os nossos sentimentos? Como amamos os amigos que acabaram de deixar-nos, não acha?! Como admiramos os nossos mestres que já não falam mais, que estão com a boca cheia de terra! A homenagem vem, então, muito naturalmente, essa homenagem que talvez tivesse esperado de nós, durante a vida inteira. Mas sabe por que somos sempre mais justos e mais generosos para com os mortos? A razão é simples! Para com eles, já não há mais obrigações. Deixam-nos livres, podemos dispor do nosso tempo, encaixar a homenagem entre o coquetel e uma doce amante: em resumo, nas horas vagas. Se nos impusessem algo, seria a memória, e nós temos a memória curta. Não é o morto recente que nós amamos nos nossos amigos, o morto doloroso, a nossa emoção, enfim, nós mesmos!”

Cita a respeito da ausência de caráter:  

“Quanto a mim, moro no bairro judeu, ou no que era assim chamado até o momento em que nossos irmãos hitlerianos abriram espaço. Que limpeza! Setenta e cinco mil judeus deportados ou assassinados – é a limpeza pelo vácuo. Admiro esta aplicação, esta paciência metódica! Quando não se tem caráter, é preciso mesmo valer-se de um método.”

O monólogo traz, também, um desabafo, sofrido, de um homem que não consegue se desvencilhar do sentimento de culpa e o remete a avaliações que o incorpora no contexto  de uma sociedade individualista e pouco preocupada com uma conjuntura mais ampla. Vejamos:  

“Devo reconhecer humildemente, meu caro compatriota, que fui sempre um poço de vaidade. Eu, eu, eu, eis o refrão de minha preciosa vida, e que se ouvia em tudo quanto eu dizia. Só conseguia falar vangloriando-me, sobretudo quando o fazia com esta ruidosa discrição, cujo segredo eu possuía. É bem verdade que eu sempre vivi livre e poderoso. Simplesmente, sentia-me liberado em relação a todos pela excelente razão de que me considerava sem igual. Sempre me achei mais inteligente do que todo mundo, como já lhe disse, mas também mais sensível e mais hábil, atirador de elite, incomparável ao volante e ótimo amante. Mesmo nos setores em que era fácil verificar minha inferioridade, como o tênis, por exemplo, em que eu era apenas um parceiro razoável, era-me difícil não acreditar que, se tivesse tempo para treinar, superaria os melhores. Só reconhecia em mim superioridades, o que explicava minha benevolência e serenidade. Quando me ocupava dos outros, era por pura condescendência, em plena liberdade, e todo o mérito revertia em meu favor: eu subia um degrau no amor que dedicava a mim mesmo.”

O livro é um ensinamento, grandioso, que só autores da estirpe de Albert Camus são capazes de levar o leitor à reflexão do comportamento humano, muitos dos quais, seus reflexos, são irreversíveis para si próprio e para a humanidade.
Retirado de: Visão Literária

quarta-feira, 20 de junho de 2012

O Exótico Hotel Marigold

Um olhar para a velhice e seus impactos é vem tendo constantes enfoques na filmografia atual. Tanto que Amor, de Michael Haneke, que trata exatamente disso, foi o ganhador da Palma de Ouro em Cannes desse ano. 

E outro filme que trata disso é exatamente O Exótico Hotel Marigold, com direção de John Madden, mesmo diretor de Shakespeare Apaixonado.

No filme, os aposentados Muriel (Maggie Smith), Douglas (Bill Nighy), Evelyn (Judi Dench), Graham (Tom Wilkinson) e mais três pessoas decidem aproveitar a aposentadoria em um lugar diferente e o destino é a Índia. Encantados com o exotismo do local e com imagens do recém restaurado Hotel Marigold, o grupo, que se encontra primeiramente no aeroporto, para lá vão e são recebidos pelo jovem sonhador Sonny (Dev Patel), protagonista de Quem quer ser um milionário.

Todos têm histórias bem distintas e são contadas de forma muito rápida no início do filme, haja vista que o foco é justamente a chegada dos mesmos ao dito hotel. Muriel foi a governanta da casa de uma família durante muitos anos, mas quando a velhice começou a atrapalhar seus afazeres diários, teve que se aposentar e dar lugar a alguém mais jovem. Além disso, ela tem problemas no quadril e precisará ser operada, visto que mal consegue andar.

No hospital, logo no início do filme, ela manifesta seu racismo com pessoas negras, em especial, com um médico negro que a atenderia. Nesse sentido, talvez pudesse ficar reservado a Muriel algumas das melhores passagens do filme - em virtude da discussão do seu racismo, etc, mas essa expectativa não se cumpre. Ao mesmo tempo que manifesta seu racismo frente a um médico de origem indiana, ela não reluta muito em ir fazer uma cirurgia na Índia, onde o tempo de espera para tal procedimento seria imediato, enquanto que nos EUA ela ficaria na lista de espera.

Douglas e sua mulher vão para a Índia para comemorar os 40 anos de casados, embora não pareçam muito sintonizados um com o outro. Evelyn perdeu o marido há pouco tempo e busca realizar atividades pra preencher o tempo. Navegando pela internet, descobre o hotel Marigold, que promete tudo do bom e do melhor. Paralelo a isso, ela não se conforma com o atendimento das pessoas de suporte técnico e nem das de telemarketing e aqui vemos certa crítica à "robotização" desses serviços.

Graham viaja para a Índia em busca do reencontro de um grande amor, enquanto que Judith (Lucy Robinson) e Norman (Ronald Pickup) querem apenas aliviar a solidão e encontrar novos parceiros.

Como disse, a motivação dos personagens na escolha pela Índia é muito rápida e não muito eficiente, pois são nos deixa compreender bem suas razões em ir pra lá, especificamente, quando poderiam ir pra qualquer outro lugar.

Evelyn, por sua vez, interpretada pela majestosa Judi Dench, é alguém que tinha muitos problemas na utilização do computador, mas acaba criando um blog pra detalhar a viagem. Se ela tinha dificuldades com tarefas básicas na informática, como criaria um blog sozinha? Pequenos detalhes realmente contam.

O fato de ter se optado por não mostrar o voo, a situação deles dentro do avião, na minha concepção, foi equivocada. Pular esse momento nos fez perder um pouco da conexão com o filme em si. Já no hotel, os personagens são muito condescendentes com as suas condições (do hotel), quem em nada lembram o que se esperavam e o que fora comprado. Histórias paralelas se formam e a mais interessante é a de Graham, que guarda um segredo com relação ao amor que foi procurar na viagem. O fato de Evelyn ir trabalhar em uma empresa de telemarketing na Índia está mais para o clichê do "eu te ajudo pra você me ajudar".

O romance entre Sonny (em um papel muito caricato) com Madge (Celia Imrie) também não sai do lugar comum e é desnecessário no contexto da narrativa, que deveria ter mantido foco integral na vida dos visitantes do hotel, sem querer fazer esse pararelo com a história de pessoas mais jovens - talvez para contrastar as gerações.

O final é previsível, assim como todo o filme, salvo com algumas surpresas que acontecem no seu decorrer e com as aparições de personagens secundários - Judith e Norman. Não que seja um filme de todo ruim, pois há alguns momentos bons e engraçados. Porém, com o propósito de ser uma comédia, não traz nada de novo e, salvo raros momentos, não empolga.


Mr. Sganzerla - Os signos da luz

Orson Welles, Jimi Hendrix, Godard, Oswald de Andrade. O que eles têm em comum?

Todos são ícones na formação cinematográfica de Rogério Sganzerla, precursor do chamado Cinema Marginal, grande e rico movimento cultural que se instaurou no Brasil entre as décadas de 60 e 70.

Mr. Sganzerla - Os signos da luz, de Joel Pizzini, é um documentário livre sobre a vida e obra de Rogério Sganzerla, mostrando-nos seus pensamentos, sua filosofia e sensibilidade para a criação do Cinema Marginal e toda a sua admiração por Orson Welles, a quem definia como o melhor cineasta do mundo.

Em sua filmografia, Sganzerla tentou difundir todas as suas influências nas suas obras, sem se ater a um formalismo estético. Fazia um cinema libertário, sem a prisão da forma. A criação da Belair e sua parceria com Júlio Bressane também marcam presença na película.

Sganzerla teve como grande expoente a realização de O Bandido da Luz Vermelha, de  1968, um dos filmes mais vistos no Brasil na história.

O filme está em cartaz no Espaço Unibanco da Augusta, de graça! Portanto, não perca a oportunidade de conferir esse documentário e descobrir um pouco desse diretor tão marcante no cinema brasileiro e, consequentemente, de todo um movimento histórico do cinema nacional.


segunda-feira, 18 de junho de 2012

Pickpocket

Pickpocket é um dos grande filmes do mestre Robert Bresson, sempre muito elogiado pelos precurssores da Nouvelle Vague, que viam nele uma cinema distinto.

O filme, livremente inspirado na obra Crime e Castigo de Fiódor Dostoievski, se inicia na primeira tentativa de roubo frustrada de Michael (o ator amador Martin LaSalle), em um hipódromo. O protagonista é pego mas acaba se livrando devido à falta de evidências contra ele. A partir de então o que se nota é um desenvolvimento das artimanhas utilizadas pelo protagonista para abordar pessoas e afanar seus pertences pessoais com muita destreza, muitas vezes junto com cúmplices, alguns dos quais lhe ensinam vários dos truques apresentados ao longo da película, de forma a desenvolver suas habilidades, tal como treinar as mãos jogando fliperama ou rodando moedas com os dedos.

Concomitantemente, Michael recebe a notícia de que sua mãe está muito doente, à beira da morte e, ao visitá-la, conhece Jeanne (Marika Green), uma vizinha responsável pelos cuidados da sua progenitora. Forma-se aí uma relação afetuosa que posteriormente teria motivado a tentativa do protagonista de abandonar a compulsão por bater carteiras.

Os acontecimentos das vidas "profissional" e "pessoal" de Michael se entrelaçam. Michael vai para a Itália e posteriormente para a Inglaterra, fugindo da polícia e de seus sentimentos por Jeanne, abalados por um suposto envolvimento entre ela e Jacques, um grande amigo comum aos protagonistas. Acaba voltando dois anos depois para Paris, segundo suas próprias palavras, tão pobre quanto saiu, em virtude do seu vício por mulheres e por jogos.

Reencontra Jeanne, mãe de um menino de Jacques, porém, separada dele. É nessa altura que decide "endireitar-se", mas, ironicamente, acaba sendo preso devido a uma "recaída". O filme termina com uma espécie de redenção através do amor de Jeanne. Nota-se ainda que Michael tem um estranho, quase confessional relacionamento com o oficial de polícia que o persegue durante a história.

O estilo tão particular de Bresson, descrito à exaustão como “rigor formal”, se resume na verdade em planos secos e descritivos, acompanhados de uma direção que procura tirar dos atores toda e qualquer plasticidade cênica, numa total rejeição da teatralidade, resultando em práticas anti-expressionistas. 

Não se trata de uma representação real, longe disso Bresson dirige os atores (que ele chama de “modelos”) de forma a não deixar qualquer resquício dramático ou mimético, o resultado é uma pessoa passando uma determinada informação de forma seca e absolutamente sóbria. Quanto aos planos, são em geral descritivos, se é importante o ato do personagem abrir uma maçaneta a câmera irá mostrar um plano fechado da maçaneta sendo aberta, se é importante o ato do personagem tirar uma carteira do bolso a câmera irá focar a carteira sendo tirada do bolso e assim por diante. Além disso, a mudança de planos é feitas de forma que o novo plano se sobrepõe ao anterior, num efeito de esmaecer.

Nos extras do filme, Bresson, em entrevista concedida a dois críticos, se mostra uma pessoa muito humana ao responder que, de fato, era uma pessoa muito só, mas que não via vantagens nisso. Além disso, argumenta que o importante em Pickpocket é sentirmos a atmosfera do ladrão, a sua solidão e corrupção do ser humano. Bresson concebe aqui uma obra franca e direta.


domingo, 17 de junho de 2012

O Bom Canário

Assisti ontem a peça O Bom Canário no Teatro Eva Herz (em cartaz até o final de julho), a qual conta a história de Jack, um romancista promissor que tenta diariamente salvar a vida de sua esposa Annie, cuja carreira é prejudicada pela dependência química.

Ela não pode mais suportar o olhar dos outros e passa seus dias limpando a casa, reflexo de uma paranóia causada pelo uso constante de anfetaminas, que começou a utilizar na adolescência, visando a redução de peso. Seu estado mental é cada vez mais caótico e seu estado físico mira o esquelético, pois nunca come.

Jack, seu companheiro perdidamente apaixonado, vê o romance que escreveu, cuja história parece provocante e inspirada num passado doloroso, se tornar um sucesso repentino.

Uma peça que mergulha no mundo da arte, mais especificamente no mundo da escrita, onde a luxúria, a crítica, o amor, as palavras, as drogas e as mentiras são misturadas em uma pergunta: como sobreviver frente à superficialidade inerente ao mundo da arte e seus críticos. Enfim, o texto fala sobre padrões, loucura, individualidade e tudo que nos torna humanos e complexos.

O espetáculo percorre a fronteira do humor e da loucura e flerta com a realidade da vida, culminando num desfecho impactante, arrasador e, acima de tudo, surpreendente.

O texto, como dito, aborda muitos temas. Mas um deles me parece essencial: a preservação da individualidade, da singularidade de cada um, num mundo em que cada vez mais as pessoas se parecem, agem da mesma forma, valem-se das mesmas tecnologias para permanecerem "antenadas", etc. Hoje o mundo vai ficando cada vez mais padronizado, mais robótico, mais "câmbio automático" do que "manual".

Annie é, sem dúvida, uma mulher problemática - sua dependência das drogas a torna um tanto intempestiva, imprevisível em seus humores, em certa medida antisocial. Mas não deixa de ser amorosa e, sobretudo, absolutamente autêntica. Ou seja: não entra no jogo das conveniências e sempre diz exatamente o que pensa, pouco se importando com as conseqüências. E tal postura, totalmente avessa à hipocrisia, a converte numa espécie de bomba-relógio, que pode explodir a qualquer momento.

E as explosões se sucedem, tanto no âmbito familiar - Jack tenta desesperadamente convencer a mulher a abandonar o vício - quanto no profissional - numa festa na casa de um grande editor, disposto a adiantar vultosa soma para que Jack escreva um próximo romance, Annie não consegue se conter e trava um inapropriado embate com um renomado crítico, cujas opiniões despreza por completo.

Tal atitude, evidentemente, faz com que o evento termine de forma lamentável e o projeto editorial ameaça naufragar. No entanto, já perto do desfecho, a trama exibe uma inesperada revelação, que, obviamente, não posso aqui detalhar, pois isso privaria a platéia de uma surpresa totalmente imprevista.

Bem escrito, contendo ótimos personagens, diálogos fluentes e temas mais do que pertinentes, O Bom Canário recebeu excelente versão cênica. Na pele de Annie, Flávia Zillo exibe performance irretocável, conseguindo materializar na cena todas as muitas e diversificadas facetas de uma mulher atormentada pelo vício mas, ainda assim, amorosa e parceira incondicional de seu marido. Encarnando o abjeto e, ao mesmo tempo, engraçado Charlie, Érico Brás também exibe atuação irretocável.

Sobre o Autor

Zacharias Helm, 36 anos, escritor norte americano e diretor de cinema. Como dramaturgo, teve 2 peças produzidas: “Última Chance Para uma Dança Lenta” e O Bom Canário (Good Canary), este último sendo escrito quando Zach tinha apenas 22 anos de idade. Sua estreia mundial foi em Paris, no ano de 2007, sob direção de John Malkovich. O espetáculo recebeu 6 indicações Moliére, o maior numero de indicação do ano, e também ganhou da França o Crystal Globe Award. Helm é considerado um dos melhores roteiristas de Hollywood.

sábado, 16 de junho de 2012

Apenas uma Noite (Last Night)

A ruína de um casamento, traições, disfarces e antigas paixões que retornam são alguns dos temas abordados pela iraniana Massy Tadjedin, que estreia na direção de um longa americano com uma história própria no drama "romântico"  Apenas Uma Noite, má tradução do título em inglês (Last Night), como veremos.

Moradores de Nova York, a escritora Joanna (Keira Knightley) e o executivo Michael Reed (Sam Worthington) são casados há três anos, mas namoram desde os tempos de faculdade. No começo do filme, somos divididos, de forma intercalar, pela cena em que ambos estão voltando de taxi para casa, depois de terem ido a uma festa, cada em seu lado, presos em seus pensamentos e angústias, e o momento no qual se preparam pra ir à dita festa e como se comportam na mesma.

Na cena em que ambos estão ainda em casa, se arrumando para a festa, percebemos um certo descaso de Michael e algum distanciamento de Joanna. Ele até mesmo esquece o vinho dentro do taxi que os levava para a festa. Por qual motivo? Estaria ele pensando demais em como se portaria no encontro?

Bem, já na festa, Joanna conhece Laura (Eva Mendes), uma sensual colega de trabalho do marido, e imagina que há alguma coisa acontecendo entre os dois, até mesmo por flagra ambos conversando na varanda do prédio com certa intimidade. Como Michael e Laura farão uma viagem de trabalho no dia seguinte, e já haviam viajado antes juntos, a noite de sua véspera é de conflito, com Michael caindo na "armadilha" de Joanna, ao afirmar que, de fato, sentia atração por Laura. Com isso, Joanna acaba dormindo no sofá. No meio da madrugada, Michael vai até ela e propõe que ela volte para o quarto. Ela recusa. Então, ele a convida para comer algo na cozinha.

De manhã, a própria Joanna acha que está exagerando - talvez por tentar encontrar motivos para brigar, típico de um relacionamento em ruínas - e firma uma trégua com Michael. Depois que ele parte, ela vai tomar café na rua e, ao sair do café, dá de cara com um antigo e complicado amor do passado recente, o francês Alex (Guillaume Canet). Aqui, o encontro foi muito forçado e poderia ter sido mais sutil.

Ele a convence a ir em um jantar com ele no mesmo dia, sem muito esforço. O jantar marcado para essa noite, que leva Joanna a arrumar-se como nunca, desperta outras expectativas. Alex, por sua vez, não atravessou de volta o Atlântico à toa. Está disposto a confrontar Joanna sobre o que deu errado para eles. Mas seria apenas isso? Ele havia voltado por ela, por compromissos profissionais, porque seu relacionamento com uma pessoa em Paris não ia bem ou porque não conseguia ficar sozinho?

Além disso, os questionamento de Joanna naõ se limitam apenas ao casamento e ao seu amor por Alex, mas também às suas criações literárias, sobre as quais pairam dúvidas intermitentes.

O filme evolui sobre essas duas tentações em paralelo: a de Michael por Laura e a de Joanna por Alex, procurando criar expectativa sobre se vai ou não haver traição em qualquer dos casos. Entretanto, é difícil contemplar química sexual nos casais de "amantes". Michael não consegue demonstrar muitas emoções com Sam Worthington o interpretando, da mesma forma como Alex não consegue ser o francês sedutor. Mas, com certeza, não vemos química alguma entre Laura e Michael, o que deixa a relação deles aquém até mesmo do apelo sexual.

Entretanto, mesmo no papel mais ingrato dos quatro protagonistas, Eva Mendes consegue ser um pouco mais eficiente que os demais, ao tentar fugir do estereótipo de latina sensual que a toda hora tentam lhe atribuir.

Um bom momento está na participação de Griffin Dunne como uma espécie de conselheiro da dupla Joanna/Alex. Enquanto ele fica em cena, a cota de humor e inteligência sobe um bocado, muito embora, mais uma vez, falte sutileza no encontro entre os casais.

Em geral, não é um filme muito necessário, a não ser pela bela fotografia de Nova York, da boa edição de som e trilha sonora, que consegue nos situar na angústia dos personagens, muito embora os mesmos não consigam demonstrar tanto disso em cena, embora necessário fosse. A noite como personagem também é um ponto bem pensado, com praticamente todas as cenas sendo pouco iluminadas. O que sobra nesses quesitos técnicos, falta no frecor da interpretação dos personagens.

Por fim, as traduções de títulos para o português deveriam se ater literalmente aos títulos originais ou mantê-los (caso de Drive e Shame, recentemente). Apenas uma noite é bem diferente de A noite passada (tradução literal de Last Night), que traduz melhor os anseios da história.