segunda-feira, 7 de abril de 2014

Fantasma sai de cena - Philip Roth


Bem, lá vamos ao 15º livro do ano e nada melhor que ler mais uma vez Philip Roth. 

Agora, com o Fantasma sai de cena, Roth desenvolve a trama em volta a divagações sobre os nossos tempos, como, por exemplo, a vida em torno de aparelhos celular, o medo com relação ao terrorismo, a falta de confiança política em nossos representante - retrata com força, aliás, o desdém na gestão de George W. Bush-, os agouros da velhice (tal como em Animal agonizante, tudo, é claro, envolto em uma linguagem que poderíamos até qualificar como simples, mas de grande variedade e complexidade temática.

Em Fantasma sai de cena, reencontramos Nathan Zuckerman, que já protagonizara outros romances de Roth e podemos até dizer que é uma espécie de alter ego de Roth ou, no mínimo, um pseudônimo seu pra viver a ficção. Zuckerman tem agora 71 anos, vive isolado no campo, atravessou uma operação de câncer na próstata – e dela resultou uma constrangedora incontinência urinária. Vai à Nova York para tentar amenizar o desconforto e resolve ficar por lá. Duas mulheres aparentemente o movem de volta à cidade que ainda não se recuperou do 9/11: uma que encontrou no passado e outra, recém conhecida. Nenhuma delas lhe pertence. Amy, no passado, foi casada com seu tutor e ídolo literário; hoje está morrendo, devastada pela doença. Jamie é o presente, acaba de chegar aos trinta e é irresistível. Teme novo atentado terrorista e, com o marido, propõe a Zuckerman uma troca provisória de residência.

Simétricas e inacessíveis, Amy e Jamie, de nomes rimados, revelam a dificuldade de Zuckerman lidar com seu passado e de tolerar o presente – salvo quando está fechado em seu mundo particular inacessível, afastado das pessoas. São também o mote para Roth comentar a selvageria do mundo literário e a rapacidade e as imposturas biográficas de jovens escritores. Um deles pretende escrever a biografia de Lonoff – o tutor de Zuckerman e ex-marido de Amy. E para tanto ultrapassa limites éticos. Zuckerman o rejeita e se pergunta: o que, afinal, narramos? Registramos o que aconteceu ou o que poderia ter acontecido?

E assim – para falar da velhice de um escritor e de seus fantasmas presentes e passados, de seus medos e limitações, tentações e possibilidades – Roth fala da literatura. Sem mistificação, fala das infinitas mistificações de um texto, citando inúmeros exemplos, como uma aula fosse.

Sem dúvida, uma grande leitura, desse que é um dos maiores autores vivos de língua inglesa.

quinta-feira, 3 de abril de 2014

Barba ensopada de sangue - Daniel Galera

Para o meu 14º livro no ano (estou me superando, mas fui ultrapassado pela minha mulher pela primeira vez em 2014...well), e depois do excelente "O animal agonizante", do sempre excelente Philip Roth, acabei escolhendo o novo do autor paulistano-gaúcho Daniel Galera - "Barba ensopada de sangue". Vale dizer que Daniel já havia me cativado bastante com seu romance "Cordilheira" e conseguia ver ali (e em "Até o dia em que o cão morreu", bem adaptado para o cinema por Beto Brant no filme "Cão sem dono") uma ótima fluência narrativa, sem aquela "enrolação" quase típica de muitos romances atuais.

Galera gosta de escrever, e eu aprecio muito ler, sobre a vida cotidiana, sobre os percalços, desafios e como a cultura desse século bate na nossa porta - não é raro vê-lo fazer alusões a filmes, músicas, Facebook, internet, etc., que nos fazem ter mais conexão com os personagens - na tentativa bem sucedida de dar-lhes uma vida ficcional, porém de uma verossimilhança bem acentuada, mesmo quando dialoga com temas por vezes minimamente conexos com o "realismo fantástico" de autores como, só pra citar um exemplo, Garcia Marques.

Em "Barba ensopada" lemos sobre a história de um homem - sem nome - que, após um evento trágico, parte em busca da verdade sobre a história do avô, em uma cidade do interior do Rio Grande do Sul. O homem, professor de natação e praticante de triatlo, se insere nesta cidade, a última em que seu avô foi visto, sempre tentando descobrir a verdade em volta da lenda criada em torno de seu familiar. E durante essa jornada ele irá passar por diversas e, por vezes adversas, situações.

O conflito familiar também está sempre presente, nas relações conturbadas entre pai e filho e entre irmãos. Acho válido dizer que com esse romance, Galera conseguiu se firmar de vez com um dos grandes talentos da literatura brasileira contemporânea, especialmente por saber trafegar muito bem entre os diversos tipos de linguagem (narrativa e do cotidiano), dando um caráter mais verossímil para os personagens, que falam como geralmente falamos e não uma linguagem "ensaiada".

Grande livro, que abriu alas para "O Fantasma sai de cena", também de Philip Roth (sim, estou viciado no cara, eu sei, mas não é por pouco - Roth domina a profissão como poucos e, sim, consigo enxerga muitos elos entre seu trabalho e o de Galera. Talvez por isso eu goste tanto dos trabalhos de ambos!).