domingo, 17 de junho de 2012

O Bom Canário

Assisti ontem a peça O Bom Canário no Teatro Eva Herz (em cartaz até o final de julho), a qual conta a história de Jack, um romancista promissor que tenta diariamente salvar a vida de sua esposa Annie, cuja carreira é prejudicada pela dependência química.

Ela não pode mais suportar o olhar dos outros e passa seus dias limpando a casa, reflexo de uma paranóia causada pelo uso constante de anfetaminas, que começou a utilizar na adolescência, visando a redução de peso. Seu estado mental é cada vez mais caótico e seu estado físico mira o esquelético, pois nunca come.

Jack, seu companheiro perdidamente apaixonado, vê o romance que escreveu, cuja história parece provocante e inspirada num passado doloroso, se tornar um sucesso repentino.

Uma peça que mergulha no mundo da arte, mais especificamente no mundo da escrita, onde a luxúria, a crítica, o amor, as palavras, as drogas e as mentiras são misturadas em uma pergunta: como sobreviver frente à superficialidade inerente ao mundo da arte e seus críticos. Enfim, o texto fala sobre padrões, loucura, individualidade e tudo que nos torna humanos e complexos.

O espetáculo percorre a fronteira do humor e da loucura e flerta com a realidade da vida, culminando num desfecho impactante, arrasador e, acima de tudo, surpreendente.

O texto, como dito, aborda muitos temas. Mas um deles me parece essencial: a preservação da individualidade, da singularidade de cada um, num mundo em que cada vez mais as pessoas se parecem, agem da mesma forma, valem-se das mesmas tecnologias para permanecerem "antenadas", etc. Hoje o mundo vai ficando cada vez mais padronizado, mais robótico, mais "câmbio automático" do que "manual".

Annie é, sem dúvida, uma mulher problemática - sua dependência das drogas a torna um tanto intempestiva, imprevisível em seus humores, em certa medida antisocial. Mas não deixa de ser amorosa e, sobretudo, absolutamente autêntica. Ou seja: não entra no jogo das conveniências e sempre diz exatamente o que pensa, pouco se importando com as conseqüências. E tal postura, totalmente avessa à hipocrisia, a converte numa espécie de bomba-relógio, que pode explodir a qualquer momento.

E as explosões se sucedem, tanto no âmbito familiar - Jack tenta desesperadamente convencer a mulher a abandonar o vício - quanto no profissional - numa festa na casa de um grande editor, disposto a adiantar vultosa soma para que Jack escreva um próximo romance, Annie não consegue se conter e trava um inapropriado embate com um renomado crítico, cujas opiniões despreza por completo.

Tal atitude, evidentemente, faz com que o evento termine de forma lamentável e o projeto editorial ameaça naufragar. No entanto, já perto do desfecho, a trama exibe uma inesperada revelação, que, obviamente, não posso aqui detalhar, pois isso privaria a platéia de uma surpresa totalmente imprevista.

Bem escrito, contendo ótimos personagens, diálogos fluentes e temas mais do que pertinentes, O Bom Canário recebeu excelente versão cênica. Na pele de Annie, Flávia Zillo exibe performance irretocável, conseguindo materializar na cena todas as muitas e diversificadas facetas de uma mulher atormentada pelo vício mas, ainda assim, amorosa e parceira incondicional de seu marido. Encarnando o abjeto e, ao mesmo tempo, engraçado Charlie, Érico Brás também exibe atuação irretocável.

Sobre o Autor

Zacharias Helm, 36 anos, escritor norte americano e diretor de cinema. Como dramaturgo, teve 2 peças produzidas: “Última Chance Para uma Dança Lenta” e O Bom Canário (Good Canary), este último sendo escrito quando Zach tinha apenas 22 anos de idade. Sua estreia mundial foi em Paris, no ano de 2007, sob direção de John Malkovich. O espetáculo recebeu 6 indicações Moliére, o maior numero de indicação do ano, e também ganhou da França o Crystal Globe Award. Helm é considerado um dos melhores roteiristas de Hollywood.

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