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Tal como ocorre em Bonsai, em A vida privada das árvores as plantas constituem, mais do que belos elementos de cenário, metáforas fundamentais para a compreensão do enredo. Se no primeiro livro um bonsai simboliza tanto uma relação amorosa quanto uma das possíveis maneiras de pensar e escrever ficção, aqui, neste segundo romance de Alejandro Zambra, o álamo e o baobá, personagens de histórias contadas a uma criança, aludem à passividade, à imobilidade e à sensação de permanência.
É possível questionar se Julián, o protagonista de A vida privada das árvores, não seria o autor fictício de Bonsai. Professor de literatura e escritor, Julián confessa a amigos que “se alguém lhe pedisse para resumir seu livro [sobre o qual se debruça, e que depois finalmente conclui], provavelmente responderia que se trata de um homem jovem que se dedica a cuidar de um bonsai”. O romance que Julián conclui é minúsculo, assim comoBonsai. Julián não se chamou Julio por um erro do oficial do registro civil — e Julio é o nome dado ao protagonista de Bonsai.
Outra semelhança entre os dois primeiros livros de Zambra — o terceiro, ainda não traduzido e publicado no Brasil, chama-se Formas de volver a casa — está na temática. Quem não vê com bons olhos a literatura que se ocupa da literatura deve fugir de ambos. As relações amorosas, vínculos normalmente frágeis para o autor chileno, ganham novo trato. O tempo e nossa forma de senti-lo, a solidão e a mediocridade — ou impossibilidade, ou vazio — da vida frente à ficção são outros conceitos revisitados em A vida privada das árvores.
Verónica, mulher de Julián, não volta para casa após a aula de desenho. O narrador avisa que “o livro segue em frente até ela voltar ou até Julián ter certeza de que ela não voltará mais”. O nervosismo do protagonista aumenta na medida em que as horas passam e a madrugada avança sem que haja sinal de Verónica. Durante a espera aflita, em duas ocasiões Julián conta histórias para fazer Daniela, sua enteada de oito anos, dormir. O conteúdo das narrativas é o mesmo: a vida do baobá e do álamo, árvores que, estando lado a lado, trocam confidências entre si. É este tempo que se encontra suspenso — o que dura a expectativa, a dúvida, a angústia — o presente do romance.
O passado também está lá, e toma a forma das lembranças de Julián: seu antigo relacionamento com Karla, que terminou com o afastamento do casal; o primeiro casamento de Verónica, com o pai de Daniela, que durou três meses; sua infância mais ou menos tranquila, sem grandes alegrias nem tragédias. O futuro também é vislumbrado: decidido a ignorar o presente aflitivo, a escapar da ansiosa espera pelo retorno da mulher, Julián imagina a enteada já adulta.
Há um enorme e real vazio em A vida privada das árvores: caminhos que não seguiram e não seguem o curso planejado ou esperado, personagens que não são capazes de recordar com exatidão a própria trajetória — que não veem, ou não querem ver, uma ligação óbvia entre passado e presente —, relacionamentos insatisfatórios e frágeis que não trazem alívio para solidão. É de uma realidade rotineira e medíocre de que se ocupa a ficção de Alejandro Zambra, e é justamente aí que está o seu mérito. Tudo em Zambra, seja em Bonsai ou em A vida privada das árvores, é comum, possível, banal. Enquanto, assim como o álamo e o baobá, Julián talvez esperasse fincar raízes e permanecer ao lado de alguém, fosse em uma relação de amor ou amizade, ele parece condenado à insatisfação e à busca constantes. Assim como a maioria das pessoas, Julián tem apenas uma característica em comum com as árvores: a imobilidade, a inércia, a capacidade de se mexer apenas pela mudança e pela força dos ventos.
“Seria preferível fechar o livro, fechar os livros, e enfrentar, sem mais, não a vida, que é muito grande, mas a frágil armadura do presente”, diz o narrador. Como poucos autores, contemporâneos ou não, Zambra soube pôr luz exatamente nas zonas em que a vida se assemelha e se diferencia da ficção — e, ao mesmo tempo em que a vê como uma tábua de salvação, também ressalta sua inutilidade. Seus dois primeiros livros são breves; a sensação de incômodo e desconcerto é que é persistente.