A ruptura do racional, quando perdemos nossos roupantes do politicamente
correto e tudo que nos fora ensinado sobre respeito e educação, quando viramos
animais selvagens e partimos para o canibalismo e para a carnificina, ao menos
verbal.
Em síntese, é sobre esse momento de ruptura que trata o novo filme de
Roman Polanski, Deus da Carnificina, que estreou em São Paulo na
última quinta-feira, após longa espera, haja vista que, especificamente, em
Paris, assisti a esse filme em dezembro do ano passado.
Haja vista ser adaptado da peça teatral de Yasmina Reza, conseguimos
visualizar na película a grande influência do teatro na montagem do filme, que
fica centralizado praticamente em poucos cenários: o parque onde há o estopim
do problema, quando o filho dos personagens interpretados por Kate Winslet e
Christoph Waltz bate com um bastão na cabeça do filho dos personagens interpretados
por John. C. Reilly e Jodie Foster, a sala, cozinha e banheiro do apartamento
de Michael (John) e Penélope (Jodie), bem como o corredor do mesmo.
A partir do momento da briga, ocasionada pelo fato de um não poder fazer
parte da "gangue" do outro, partimos para o encontro, já na casa dos
pais do filho agredido - Michael e Penélope. Penélope (Jodie) -, onde os mesmos estão
escrevendo (formalizando) sobre o ocorrido, sob os olhares de Nancy (Kate) e Alan
(Christoph). Surge aqui já uma discórdia com relação a determinado termo usado
pra descrever de que forma o agressor portava a "arma".
Entretanto, todos ainda se comportam de maneira respeitosa e educada. Tudo teria
ocorrido harmonicamente se Nancy e Alan tivessem deixado o apartamento logo em
seguida, mas é justamente no momento do retorno para um café que a "carnificina" tem início. Começamos a ver Alan - claramente inspirado no advogado empresarial moderno -
sempre preso ao seu Blackberry, começando a deixar todos loucos, quando o
aparelho toca seguidamente para resolver questões ligadas a um estudo que fora
feito contra o uso de determinado produto de um cliente do ramo farmacêutico
(aqui encontramos uma crítica a esse ramo, claramente mais voltado para o lucro
do que com o bem-estar de seus consumidores).
O uso contínuo do Blackberry gera cena muito engraçadas, na medida que vai
começando a atormentar os outros personagens, principalmente a sua mulher,
Nancy, que não se sente bem, vomita, e, a partir disso, começa a se tornar
outra pessoa. Quando Michael decide beber uísque, acompanhado posteriormente pelos outros
personagens, conseguimos ver quem eles realmente são quando o álcool os ajudam a externalizar suas verdadeiras opiniões. Falam o que querem falar,
sem se preocupar em como serão compreendidos. A ternura dá lugar à grosseria.
Vira um UFC verbal.
Durante o filme, podemos dizer que vários "times" são
formados. A cada momento um personagem está concordando com um e discordando de
outros. Nos momentos seguintes os cenários vão se invertendo, o que é muito
interessante. Até mesmo Penélope perde sua razão e entrega-se à selvageria, não
importando mais se ela flagra Alan apenas de cueca. Todos eles já estão
bastante íntimos no ápice da raiva.
O filme é curto, por isso todas as passagens dos estados emocionais dos
personagens são muito rápidas. Isso poderia ser mais sútil. A forma adotada é
muito funcional no teatro, mas no cinema talvez fosse necessária uma maior
sutileza no desenvolvimento dos personagens, assim como foi feito em Anjo
Exterminador do Buñuel e Quem tem medo de Virgínia Woolf de
Mike Nichols.
Mas não por isso o filme deixa de ser bem interessante, pela maneira como
nos diz, até que bem diretamente, que somos meros atores em nossas vidas reais,
em muitas vezes, em prol do relacionamento social ao menos suportável - ou você
nunca teve vontade de falar boas verdades para um chefe qualquer?
É certo, entretanto, que até mesmo crianças conseguem
resolver determinados assuntos com mais facilidade do que adultos.

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