domingo, 10 de junho de 2012

Deus da carnificina

A ruptura do racional, quando perdemos nossos roupantes do politicamente correto e tudo que nos fora ensinado sobre respeito e educação, quando viramos animais selvagens e partimos para o canibalismo e para a carnificina, ao menos verbal.

Em síntese, é sobre esse momento de ruptura que trata o novo filme de Roman Polanski, Deus da Carnificina, que estreou em São Paulo na última quinta-feira, após longa espera, haja vista que, especificamente, em Paris, assisti a esse filme em dezembro do ano passado.

Haja vista ser adaptado da peça teatral de Yasmina Reza, conseguimos visualizar na película a grande influência do teatro na montagem do filme, que fica centralizado praticamente em poucos cenários: o parque onde há o estopim do problema, quando o filho dos personagens interpretados por Kate Winslet e Christoph Waltz bate com um bastão na cabeça do filho dos personagens interpretados por John. C. Reilly e Jodie Foster, a sala, cozinha e banheiro do apartamento de Michael (John) e Penélope (Jodie), bem como o corredor do mesmo.

A partir do momento da briga, ocasionada pelo fato de um não poder fazer parte da "gangue" do outro, partimos para o encontro, já na casa dos pais do filho agredido - Michael e Penélope. Penélope (Jodie) -, onde os mesmos estão escrevendo (formalizando)  sobre o ocorrido, sob os olhares de Nancy (Kate) e Alan (Christoph). Surge aqui já uma discórdia com relação a determinado termo usado pra descrever de que forma o agressor portava a "arma".

Entretanto, todos ainda se comportam de maneira respeitosa e educada. Tudo teria ocorrido harmonicamente se Nancy e Alan tivessem deixado o apartamento logo em seguida, mas é justamente no momento do retorno para um café que a "carnificina" tem início. Começamos a ver Alan - claramente inspirado no advogado empresarial moderno - sempre preso ao seu Blackberry, começando a deixar todos loucos, quando o aparelho toca seguidamente para resolver questões ligadas a um estudo que fora feito contra o uso de determinado produto de um cliente do ramo farmacêutico (aqui encontramos uma crítica a esse ramo, claramente mais voltado para o lucro do que com o bem-estar de seus consumidores).

O uso contínuo do Blackberry gera cena muito engraçadas, na medida que vai começando a atormentar os outros personagens, principalmente a sua mulher, Nancy, que não se sente bem, vomita, e, a partir disso, começa a se tornar outra pessoa. Quando Michael decide beber uísque, acompanhado posteriormente pelos outros personagens, conseguimos ver quem eles realmente são quando o álcool os ajudam a externalizar suas verdadeiras opiniões. Falam o que querem falar, sem se preocupar em como serão compreendidos. A ternura dá lugar à grosseria. Vira um UFC verbal.

Durante o filme, podemos dizer que  vários "times" são formados. A cada momento um personagem está concordando com um e discordando de outros. Nos momentos seguintes os cenários vão se invertendo, o que é muito interessante. Até mesmo Penélope perde sua razão e entrega-se à selvageria, não importando mais se ela flagra Alan apenas de cueca. Todos eles já estão bastante íntimos no ápice da raiva.

O filme é curto, por isso todas as passagens dos estados emocionais dos personagens são muito rápidas. Isso poderia ser mais sútil. A forma adotada é muito funcional no teatro, mas no cinema talvez fosse necessária uma maior sutileza no desenvolvimento dos personagens, assim como foi feito em Anjo Exterminador do Buñuel e Quem tem medo de Virgínia Woolf de Mike Nichols.

Mas não por isso o filme deixa de ser bem interessante, pela maneira como nos diz, até que bem diretamente, que somos meros atores em nossas vidas reais, em muitas vezes, em prol do relacionamento social ao menos suportável - ou você nunca teve vontade de falar boas verdades para um chefe qualquer?

É certo, entretanto, que até mesmo crianças conseguem resolver determinados assuntos com mais facilidade do que adultos.


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