segunda-feira, 9 de junho de 2014

Divórcio - Ricardo Lísias


O meu vigésimo livro no ano foi uma grata surpresa - aliás, não tão surpresa assim, visto que já havia lido e gostado de O céu dos suicidas, também escrito por Ricardo Lísias.

O escritor é também o narrador e o protagonista desta obra peculiar, em que não sabemos o quanto é verdade (fato) ou mera ficção. A propósito, ouvi que Lísias havia caraterizado esse livro como "autoficção".

Nem é preciso dizer que o cerne da obra é o divórcio entre o escritor Ricardo Lísias e sua agora ex-mulher, [X]. Aliás, todas as pessoas deste livro são tratadas como [X], com exceção de Lars von Trier, Terrence Malick, Brad Pitt e Kirsten Dunst, salvo alguma outra exceção, talvez para preservar a privacidade de pessoas que talvez sequer existam.

O divórcio nos é mostrado em suas fases - tristeza, mágoa, não-aceitação, ódio, superação, etc. - tal como fosse uma corrida de São Silvestre - corrida esta que o personagem participa, servindo de alusão de como se é sofrido passar por uma evento tal qual um divórcio, ainda mais dadas as circunstâncias - Lísias descobre um diário de sua então mulher - dita a melhor jornalista cultural do Brasil - com uma série de citações negativas a respeito do protagonista, por exemplo: que ele é um autista, alguém que só gosta de ler, que não tem ambições, que não sabe apreciar as coisas realmente importantes da vida, dentre outras.

Com uma série de referências à cidade de São Paulo e com críticas um tanto quanto abertas a jornalistas - e aqui faço um paralelo com as recentes críticas que esta classe vem recebendo em virtude dos recentes eventos (Poeta bufando em exercícios fonoaudiólogos e Sandra Annenberg deixando a caneta cair de sua bancada, que acabaram virando notícias mais vistas do que outras tantas mais relevantes, ocasionando uma inversão de valores), Divórcio, enfim, é um livro que recomendo. Bem escrito e de fácil leitura, traz de maneira breve vários assuntos e cenários do cotidiano.

O lobo atrás da porta

O Lobo Atrás da Porta
Originário da escola do curta-metragem, o diretor e roteirista Fernando Coimbra estreia em longas com este thriller que trabalha o suspense com rara competência e vai além das convenções que definem o gênero.

A história acontece na zona norte do Rio de Janeiro e se baseia no caso de uma menina desaparecida que abalou a cidade nos anos 1960.

Depois do desaparecimento, os pais da criança, Sylvia (Fabíula Nascimento) e Bernardo (Milhem Cortaz), e Rosa (Leandra Leal), amante de Bernardo, contam à polícia suas versões do caso.

Parciais e contraditórios, os depoimentos estruturam a narrativa, que enreda o espectador numa ciranda de pistas falsas, vinganças e segredos.

A adoção de vários pontos de vista instala uma desconfiança em relação aos personagens. A atmosfera de tensão só aumenta.

A câmera, quase sempre muito próxima dos atores, não mostra certos detalhes das ações, contribuindo para ampliar o mistério.

Reais e prosaicas, as locações definem um espaço naturalista, o que acrescenta mais uma pitada de perturbação no espectador, que não sabe quem é vítima e quem é vilão nessa história.

Bem delineados e convincentes, os três personagens principais são cheios de ambiguidades. A ótima direção de atores de Coimbra é fundamental para o resultado.

O destaque vai para Leandra Leal, que compõe um personagem inquietante e distante do estereótipo da amante.

Grave e surpreendente, o desfecho não faz julgamentos morais, apenas apresenta o trágico como dado da condição humana.

Fonte: http://folha.com/no1466170

Obs: Em resumo, um filmaço, que nos prende tal qual o recente "Suspeitos", de Denis Vileneuve. 

Mas vejo em "Lobo" um algo a mais.

segunda-feira, 2 de junho de 2014

O Jantar - Herman Koch

Eis a sinopse do 19º livro que li neste ano - O Jantar, do holandês Herman Koch:
O Jantar
Em uma noite de verão, dois casais se encontram em um restaurante elegante. Entre um gole e outro de vinho e o tilintar de talheres, a conversa mantém um tom gentil e educado, passando por assuntos triviais como o preço dos pratos, os aborrecimentos do trabalho, o próximo destino de férias. Mas as palavras vazias escondem um terrível conflito, e, a cada sorriso forçado e cada novo prato, o clima fica ainda mais tenso.


Um fenômeno best-seller internacional, um suspense sombrio, conto altamente controverso de duas famílias que lutam para tomar a decisão mais difícil de suas vidas no percorrer de uma refeição. É noite de verão em Amsterdã e dois casais se encontram em um restaurante da moda para jantar. Entre garfadas de comida e raspadas educadas de talheres a conversa permanece um zumbido suave de discurso educado - a banalidade do trabalho, a trivialidade das férias. Mas por trás de palavras vazias, coisas terríveis precisam ser ditas, e com cada sorriso forçado e cada novo rumo as facas estão sendo afiadas. Cada casal tem um filho de quinze anos de idade. Os dois meninos estão unidos por sua responsabilidade por um único ato horrível, um ato que provocou uma investigação policial e quebrou as confortáveis e isoladas vidas de suas famílias. A medida que o jantar atinge seu clímax culinário a conversa finalmente toca em seus filhos. Assim como a civilidade e amizade desintegra-se cada casal mostra o quão longe eles estão dispostos a ir para proteger aqueles que ama. Uma escrita tensa e incrivelmente emocionante, contada por um narrador inesquecível, O Jantar promete ser o tema de inúmeros jantares. Espetando tudo, desde os valores dos pais, menus pretensiosos a convicções políticas, este romance revela o lado obscuro da gentil sociedade e pergunta o que cada um de nós faria em face de uma inimaginável tragédia.

Muito embora possamos não ter simpatia por nenhum dos protagonistas do livro - ou por um ou outro pois, afinal, o jogo de aparências prevalece, o livro talvez tenha esse mérito de não fazer juízo de valor dos personagens para o leitor. Ele deixa isso ao critério de quem o lê.

Relacionado à tomada de uma decisão vital no período de um jantar, o livro aborda uma questão difícil - até onde você iria por um filho? Muitos falam que fariam qualquer coisa, que dariam a vida e blá, blá, blá. Mas será mesmo? Em qualquer situação?

Leia e intrigue-se, questione-se.

Uma Relação Delicada

O título original de Uma Relação Delicada é "Abus de faiblesse" (abuso de fraqueza). A trama gira em torno de uma cineasta manipuladora que sofre um acidente vascular cerebral, passa meses no hospital e, depois de longas sessões de fisioterapia, volta cheia de limitações físicas - porém, ela parece sequer ligar muito pra isso.

Uma noite, assiste um vigarista (Vilko, interpretado por Kool Shen) dando entrevista na televisão, encanta-se por sua frieza dissimuladora e o chama para participar de seu próximo longa-metragem. 

Tudo faz parecer, inicialmente, que vamos acompanhar uma espécie de reinvenção da própria vida a partir de um novo amor, à moda de Ferrugem e Osso (de Jacques Audiard, 2012), o qual não gostei muito. Mas o título original já adiantou que as coisas não serão bem assim. Inicia-se uma relação extremamente conturbada, em que Maud torna-se uma vítima de Vilko e de todos os seus esquemas fraudulentos. Mas seria o termo "vítima" realmente apropriado? Tire suas próprias conclusões.

Maud Schoenberg, a protagonista, é inspirada na experiência da própria diretora e roteirista, Catherine Breillat, que sofreu um derrame em 2004 e passou meses internada.

No jogo vivido pelos dois personagens, em que os conceitos de mocinho e vilão são subjetivos, o que fica é a atuação maiúscula de Isabelle Huppert. Além de olhar para a própria história com distanciamento e despojamento impressionantes, Catherine Breillat valoriza sua grande atriz, optando pela crueza dos planos longos a observar seus movimentos limitados. Não podia haver escolha mais acertada. Huppert está fisicamente convincente e, em alguns planos espetaculares (como o da sequência final), consegue sintetizar apenas com o olhar todas as contradições da personagem. 

A crueza referida, ressaltada pela rara mas imponente trilha sonora, aliada a um roteiro que não nos dá todas as respostas que buscamos, torna a fruição difícil, lenta, pesada. Entretanto, Uma Relação Delicada está acima da maioria dos filmes que são realizados atualmente e, obviamente, merece ser visto.